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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

"Meu Deus, querem afeminar a capoeira"

Mestre Canjiquinha

Publicada originalmente em Diários de Notícias de Salvador, em 6 de novembro de 1970. 
Entrevista de Cristina Cardoso.

Seu nome - Washington Bruno da Silva - lembra Presidência de República, mas de política ele não manja nada. Seu fraco é a capoeira, do qual é bamba como ninguém. Washington é Canjiquinha, capoeira internacional, bom como Aberrê, ágil como Maria Doze Homens - um verdadeiro patrimônio do folclore nacional.

Para ele a capoeira está morrendo. Virou apenas dança para turista ver. E ainda existe quem a considere agressiva:

- Meu Deus, querem afeminar a luta dos homens.

Dos 45 anos de vida de Canjiquinha, 33 foram dedicados à capoeira. Ele não apenas luta capoeira, mas luta por ela. Acredita que os mestres hoje em dia são poucos. Queixa-se também da falta de divulgação da capoeira que, em seu modo de entender, deveria ser transformado no esporte nacional.

- Ele aqui nasceu, é nosso, mistura do negro com o índio, resultado das lutas dos negros contra os senhores brancos.

Mestre Canjiquinha é o capoeira mais divulgado no exterior, participante que foi de muitos filmes da Bahia para o mundo, ou feito em regime de co-produção. Barravento, de Gláuber Rocha, onde contracenou com Luísa Maranhão; Os bandeirantes, co-produção franco-brasileira. Estrada do Amor, feito com os alemães e o mais recente Capitães de Areia no papel de Samuel Querido de Deus, outro capoeira de renome no passado. Até no Pagador de Promessas trabalhou mas gosta mesmo é de lutar, dançar a capoeira ou dar os toques no berimbau para a grande luta.

- Minha comadre - diz Canjiquinha com sua fala agitada, nervosa de filho de Iansã - já viajei por quase todo o Brasil, ensinei capoeira até para a Força Aérea. Estive em Brasílía - Teresina - São Luís do Maranhão - Recie - Porto Alegre e Maceió, díversas vezes no Rio de Janeiro e São Paulo. Agora ia pela primeiravez pessoalmente ao exterior, para a Semana da Bahia na Pensylvania, com "Viva a Bahia", mas deu bronca, os gringos só deram 1000 dólares para a viagem, quatro milhões contados, para 20 pessoas viajarem. Tudo veio por água abaixo.

E emocionado: "lindos mesmos são os golpes: rabo de arraia - meia lua de frente - meia lua de costas -armada - chapéu de couro -escorão - benção - vingativa - chibata ae tantos outros. E os toques que dou no meu berimbau, todos eles: São Bento Grande -São Bento Pequeno - Ave Maria - Cavalaria - Amazonas e Santa Maria., e os que eu mesmo criei: Samango, Muzenza, e Samba de Angola. É minha própria vida que eu vejo na minha Academia que fundei em 1954. Mas a capoeira está doente, gente, pode até morrrer. É apenas folclore, bonitinha e arrumadinha para agradar aos turistas. A capoeira, gente, não é mais aquela.

Mestre Canjiquinha tem o maior elenco de conjunto folclórico da Bahia - 36 pessoas no Conjunto Aberrê, que tem seus atabaques pintados de branco e azul, as cores do saudoso Mestre Aberrê, de quem Canjiquinha afirma: "não é por ter sido meu professor, mas foi um dos maiores, juntamente com Pedro Paulo Barroquinha, Curió, Cassiano Balão, Totonho Maré, ainda vivo, morando no Corta Braço, na Liberdade, Sete Mola, Espinho Remoso e tantos outros. Mas mulher as únicas mesmo foram Maria Doze Homens que numa briga da Saúde até o antigo Cinema Olímpia, bateu em doze marmanjos, e Maria Palmeirão, 1,90 de altura, mulher de dar e receber navalhada, seca como o diabo que lutava como homem".

Mestre Canjiquinha é o capoeira querido, que se apresentou para o Presidente Médici em sua visita a Salvador, e lhe ofereceu o berimbau, símbolo da capoeira baiana que luta pelo folclore baiano quando ameaçado como na época de "Lapinha". Foi ele que, pelo nosso folclore, comprou briga com Baden Powell, discutiu com Flávio Cavalcanti e ainda está disposto a brigar mais.

- Minha comadre, acrescenta, não é por falar mal, mas o Baden fez uma boa. Lapinha é folclore baiano que ele aprendeu comigo. Pensou que tinha me esquecido e disse que a música era dele. Que falta de caráter. Gosto de brigar pelos meus direitos de nosso folclore e pelo que acredito. Já fui goleiro do Ipiranga em 1951, mas o folclore e a capoeira são meu amor.

- Sou angoleiro e faço capoeira, estive no Simpósio de Capoeira em 1969 em São Pauto, no Campo dos Afonsos, e lá a gente discutiu e dividiu a luta em angoleiro, regional e estilizada, mas tudo vem de Angola, dos negros que de roupa branca sempre impecável eram chamados de arruaceiros, malandros e nunca desistiam, dos negros das lutas de matar ou morrer. Hoje a gente é funcionário, faz capoeira nas horas vagas, tem de se adaptar aos tempo. A capoeira está doente, gente, pode até morrer.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

"Desafiei todos os valentes"



Entrevista com Mestre Bimba
Originalmente publicado no Diário de Goiânia, em 1973


Mestre Bimba, conte-nos de onde veio, seu nome completo, sua história.

Meu pai chamava-se Luis Pereira Machado, minha mãe Maria Martinha do Bonfim, meu nome é Manoel Reis Machado. Muita gente me pergunta: "Porque Mestre Bimba?" Eu não gosto de dizer... Tem gente que acha que é por causa da luta, mas não é. Porque lá em Salvador, onde eu nasci em 1900, "bimba" também quer dizer pancada. Meu nome é por causa de outra coisa. É por causa de uma aposta. Minha mãe teve vinte e cinco filhos, eu fui o último. Dizem que eu nasci muito gordo. Minha mãe apostou com a parteira que eu era homem e a parteira dizia que era mulher. Então, para saber se eu era homem ou era mulher, como era muito gordo, abriram minhas carnes para ver... e encontraram lá a "bimba"!... (Mestre Bimba reclama do garçom do Hotel Presidente, onde esta entrevista foi feita: "Cadê o tira-gosto. rapaz?").


Trabalhei em carpintaria, trabalhei também na estiva, isso por volta de 1918. Carregava peso de 120 quilos... Conheci nesta época um mestre de Capoeira de Angola. Essa é a capoeira de Angola, porque existe também a Regional, que eu criei. Ele se chamava Bentinho. Ele era filho de dois africanos, eu sou neto de africanos. A partir desta época, então, eu aprendi a Capoeira de angola e passei a criar a regional.

Como era vista a luta de Capoeira naqueles anos?

Naquela época, quando se falava em Capoeira, falava-se baixo Os que aprendiam capoeira só pensavam em ser bandidos.

Ser valente estava na moda?

Era gostoso. Já pensou o que era, pra essas pessoas, enfiar a peixeira na barriga dos outros, rapaz?... Mas então, tem gente que pensa que Capoeira é luta de queda. De maneira que de 1918 a 1936, eu, Mestre Bimba, desafiei todos os valentes e venci: A luta que mais demorou, durou um minuto e dois segundos. Daí para cá mudei muito de vida. Larguei a estiva, larguei tudo, tomei outro curso de vida.

Qual a diferença fundamental entre a Capoeira Regional e a Capoeira de Angola?

Os capoeiras de Angola, a única coisa de bom que tinham era a coragem. Então, o que aconteceu? Um rapaz de doze, quinze anos, até vinte, quando aprendia a luta, naquele tempo, a tendência era pra comprar um revólver ou uma faca. Então, quer dizer que isto não era um esporte... E quem tirou a Capoeira do Brasil da unha da polícia, eu acho que abaixo de Deus fui eu...

Quer dizer. Mestre Bimba, que a capoeira de Angola era aquele que botava uma navalha na ponta do berimbau?

Muito bem. Falou.

O senhor teve um conhecimento profundo da Capoeira de Angola antes de criar a Regional?

Por dez anos eu ensinei Capoeira de angola. Depois eu passei a ensinar Regional. E peguei a ganhar dinheiro. Mas eu sou um homem pobre. O que eu tenho muito é amizade. Os homens mais ricos da Bahia passaram por minhas mãos. Se eu fosse dizer o nome de todos eles, passava a tarde inteira.


Com tanta gente boa, dando aula até pra Governador (tem governador, não tem?), como é que tudo ocorreu de forma que o senhor tivesse que sair da Bahia, por problema financeiro?


Na Bahia, acontece o seguinte: se o senhor chegar e pedir um auxílio para uma festa, um festejo carnavalesco, para uma qualquer coisa, que pertence à farra, tá bom. Mas se for para curar, para ensinar, para ajudar uma academia a bem do povo, não acha.

Quantos grupos de Capoeira existem na Bahia?

Agora eu não sei nem contar. Primeiro existia só o meu, agora existem uns trinta e oito.

O senhor acha que essa atual invasão de turistas está estragando a Bahia?

Quando eu apresentei espetáculos de folclore na Bahia, sempre fui muito elogiado. Mas agora, atualmente, existe muita falsificação. Seguinte: Capoeira é luta pra homem (e também pra mulher, depende). Mas acontece que pra ganhar dinheiro, até Capoeira do Amor já existe. A mulher fica deitada, vem o sujeito e salta por cima da palma da mão dela; só que aí se desloca sobre o próprio corpo, se agarram, e saem rolando... Bimba não ensinou isso não...

A música que se utiliza na Capoeira, talvez por ser baseada no berimbau, dá a impressão de ser pobre, repetida. Acontece isso, realmente ?

Berimbau tem oito toques. Numa roda, pode-se tocar um toque, ou dois, ou oito... Quer dizer: não é um instrumento que tem o "estoque" que tem o violão e outros instrumentos. Mas dá pra satisfazer... A regra é um berimbau e dois pandeiros.

O Maculelê tem origem própria ou veio da Capoeira?

Não, não tem nada a ver Maculelê com a Capoeira. A lenda do Maculelê vem dos índios que existiam no Brasil. Teve uma tribo que brigou com outra. Então, do lado de uma tribo tem um herói que venceu com dois pedaços de pau. Daí o nome: Maculelê.

Existem algumas variações: Samba-Duro, Samba-de-Roda... Como é que são esses sambas?

Samba-de-Roda só se faz com mulher, com meninas. O Samba-Duro é samba de queda, um samba de batuque - é mais pesado. É um samba de homem, é sambando e derrubando. O Samba-de-Roda, dá licença. É só pras meninas mexerem com as cadeiras.

Nessas tradições todas de música e dança da Bahia, existe uma influência multo grande dos africanos. Há também influências portuguesas e indígenas no folclore baiano?

Além do batuque e desses sambas, o que restou foi um "terno" chamado Rancho Feliz, que não existe mais e que se incorporou ao folclore. Então, tudo isso foi criado pelas "cachoiranas", mulheres apropriadas para o samba Dessas mulheres pra cá é que se aprendeu o que é Samba-de-Roda.

Mestre, existe uma dança francesa que se desenvolveu por volta de 1650, chamada "Savata". Tem uma semelhança entre esta dança e a Capoeira, é uma dança e ao mesmo tempo uma luta; como na Capoeira, usam-se os pés e as mãos, apesar de não se utilizarem instrumentos musicais. Esta "Savata" pode ter Influenciado a Capoeira?

Eu acredito que não. Porque a Savata foi criada pelos estrangeiros e a Capoeira pelos brasileiros. Há semelhança, mas não tem nada a ver com a Capoeira. Justamente uma coincidência.

Existe Capoeira hoje em Angola?

Em Angola nunca houve Capoeira. Tem dois escritores do Rio de Janeiro que dizem que a Capoeira veio da África. Mas não. Ela foi criada no Brasil, nas senzalas, nos engenhos, onde os pretos trabalhavam. Então quando eram calçados pelo chamado "Capitão do Mato", eles se defendiam com pesadas, rasteiras. Em princípio a lenda de Capoeira é essa, que existia em 1918 quando meu pai criou a Dança-de-Batuque e quando eu criei a Capoeira Regional.

Esse assunto aqui é diferente. Tem-se comentado muito, ultimamente, sobre a "deformação" da cidade de Salvador, principalmente em função do turismo e da construção de viadutos, abertura de avenidas, etc. Comenta-se inclusive que alguns casardes pegaram fogo assim que a prefeitura decidiu passar por ali um novo viaduto. O que é que o senhor tem observado sobre este problema?

Francamente, isto não está no meu conhecimento. A única coisa que eu vi acontecer foi justamente o incêndio do Mercado Modelo, que dizem que era tradição da Bahia. Todo ano o governo queria construir obras ali, etcetera e tal, até  que  por  fim  ele acabou pegando fogo.

O que o senhor acha do Caetano Veloso?

Francamente, eu não tenho o que dizer sobre ele. A matéria dele é uma e a minha á outra.

O senhor disse inicialmente que deixou a  Bahia por questões financeiras. Quais as condições reais que está encontrando aqui ?

Aqui em Goiânia, trazido pelo Professor  Osvaldo de Souza, que foi meu aluno e que eu tenho como um filho, eu espero, encostado a ele, ser ajudado por algumas autoridades daqui. Então, gostando da boa terra, para dizer melhor nunca vi mais mulher bonita! Aqui tem umas meninas! Meu Deus, por que é que eu sou velho?! De modo que o meu futuro é aqui em Goiânia. Porque a minha mulher recebeu o cargo de Zeladora... Diz-se por aí: "Mãe-de-Santo" - mas o verdadeiro nome é Zeladora-de-Encantado. Então aqui em Goiânia nunca teve um Candomblé e eu quero criar um. Minha mulher é a maior Zeladora da Bahia. Muitas pessoas desenganadas pelos médicos muitas vezes são salvas no Candomblé. Porque pode ser um problema do espírito. Às vezes a pessoa tem uma vida perseguida, uma incoerência com as coisas, fica aperreando pra levantar, tudo que faz não dá certo... Então com as rezas, com as coisas, ela pode salvar o indivíduo. Se minha mulher é bonita? Minha mulher é bonita demais!... Eu sou preto mas ela é caboclinha.


De modo que o meu futuro aqui em Goiânia é ensinar. Capoeira, Samba-de-Roda, Samba-Duro e Batuque, que não existe mais no Brasil. Essas coisas é que eu quero fazer.

sábado, 3 de setembro de 2011

Entrevista com Mestre Pastinha, 1964

Entrevista feita por Helina Rautavaara, na academia do Mestre Pastinha, em 1964.

Transcrição direta do áudio, com alguma tradução do espanhol (a Sra. Helina falava em "portunhol")

Introdução (1996)

Helina Rautavaara: Em todo caso, todavia estamos durante a minha primeira visita (...) Bahia. Eu começava a encontrar coisas, e claro, me falaram sobre Mestre Pastinha - que ainda àquela época não era cego. Tinha sua academia, dirigia sua academia, às vezes jogava... Eu até tenho uma foto, muito muito ruim porque foi tirada com aquelas máquinas de 10 dólares - mas ele está jogando mesmo. Em sua academia, é claro. Era fundamento angola... o verdadeiro. Angola... E uns dos mais velhos, senão primeiros na Bahia. Claro, a capoeira é uma tradição muito antiga, tem seus heróis durante a escravidão. A escravidão não foi tanto tempo atrás. Eu tenho entrevistas... Entrevista na casa do Waldemar da Liberdade, que também é muito famoso capoeirista. Tenho uma entrevista com um velho - ou foi velha, não me recordo mais - que foi escravo, nasceu escravo. Oh! Então, tantas recordações há na Bahia. Ora, se perderam todas... Me disseram que se perderam, que deixaram perder tudo, tudo, tudo. E a música mesmo... Influenciada por rádio e televisão. Já não existe nada de folclore autóctone, tradicional. Já se mudou, hoje. Então na casa, me chamaram Mestre Pastinha. E claro, Mestre Pastinha, como dirigia sua academia, ele me apresentava a um jovem e eu fui a ele dizendo que queria gravar. E ele me apresentou esse jovem, alto, forte e bonito, que se chamava Raimundo. Preto, preto, preto. Angola! Então depois que me apresentou, ele como um guia, como uma pessoa que me ensinaria e guiaria, e cantaria para mim. Cantando capoeira amarrado, com todos lá. Agora aqui vamos escutar essa gravação. Que verdadeiramente é clássica, muito, muito clássica. Ainda posso ... essa musical. Porque Raimundo sabia cantar. Depois comecei a andar com ele pelas festas de largo, e às vezes... Ele tinha um pouco de jeito de africano. Por exemplo, quando estávamos descendo ladeira, ele não andava comigo, andava um pouquinho atrás. E me lembro da polícia vindo me dizer: "Esse sujeito aí está seguindo você". Vinham me advertir que era perigoso. E eu ficava rindo. "Não, é meu camarada..." Mas como eu disse na outra fita, naquela época, durante minha primeira visita, 1963, 1964, eu não tinha romances, não tinha amores. Então o livro de Jorge Amado foi realmente foi uma novela. Somente depois que voltei da África para a Bahia que eu comecei a andar com DiMola. E estávamos sempre rindo que somente depois eu estava vivendo acontecimentos do livro de Jorge Amado que ele tinha escrito anos antes. Então eu peço aqui, depois eu tenho entrevistas com Mestre Pastinha em outras fitas. Se couberem, eu vou juntá-las aqui. Se não, vai ser em outra fita. Mas essa é a primeira gravação da capoeira de angola, 1964.

Entrevista (1964)

Helina Rautavaara: Eu queria que me contasse um pouco, desde que ano começou como capoeirista ?
Mestre Pastinha: Desde 1910.
HR: E em que ano fundou essa capoeira ?
MP: Em 1941.
HR: Por favor, me explique um pouco mais sobre o que é a capoeira. Eu já sei, mas me explique.
MP: A explicação que eu tenho ? Que é da capoeira ?
HR: É.
MP: Sobre a origem dela ?
HR: Sim, sobre a origem.
MP: A origem é africana.
HR: E onde você aprendeu ?
MP: Aqui na Bahia.
HR: Em que ano ?
MP: Aos 10 anos de idade.
HR: E de quem aprendeu ? E quem lhe ensinou ?
MP: Um africano.
HR: Como ele se chama ?
MP: Se chamava Benedito.
HR: Mestre de angola.
MP: Angola!
HR: E... Diz-se que a capoeira é uma luta, mas que agora está proibida como luta...
MP: Não... Ela não está proibida como luta não. Ela está no íntimo do homem. Na hora que ele encontra um rival, ele então se manisfesta com ela em ato de luta. Agora quando estamos em ato de alegria, ela passa a ser dança.
HR: Na sua academia, há quanto tempo está nesse lugar ? Aqui no Pelourinho ?
MP: No Pelourinho, desde 1952.
HR: O senhor quer me contar algo de sua vida, como capoeirista ? Você foi ao Rio, a São Paulo ?
MP: Rio, São Paulo, Brasília, Porto Alegre...
HR: E para o estrangeiro também ?
MP: Ainda não. Tive uma oportunidade que perdi, que tinha que ir à Argentina. Mas porquê recebi um convite de São Paulo, então ficou revogado. Para eu vir a São Paulo, deixei de ir à Argentina.
HR: Em que idade tem que aprender capoeira ?
MP: Em que ano ?
HR: Em que idade.
MP: Não, ele aprende de qualquer idade. Em qualquer idade pode aprender.
HR: Esses rapazes que estão aqui, são trabalhadores, estudantes.
MP: É... São trabalhadores, operários, estudantes, funcionários, empregados no comércio. Tem de tudo.
HR: E a capoeira é somente um passa-tempo.
MP: É.
HR: Que eu vi ali [inaudível]. A capoeira não dá vida.
MP: Não.
HR: Mas você, o que faz ? Você vive da academia ?
MP: É.
HR: E... Que modificações novas aconteceram aqui ? Como era a capoeira antes ?
MP: Antes ?
HR: Era o mesmo ?
MP: Era a mesma coisa. Era a mesma coisa. Não tem modificação nenhuma. A modificação é a consideração de um homem para outro. Se ele tem a vocação, toma em ato de alegria ou em festa, então nós jogamos ela com mais obediência, com mais técnica. Agora, quando passar o ódio, ela modifica também, vira para luta. Em ato de alegria, é para dança. E no ato do ódio, já sabe como é: é para a violência.
HR: Diga-me uma coisa. Você pessoalmente não sai mais na rua.
MP: Não, não, não...
HR: Mas apresenta a capoeira em Boa Viagem. Em que festas apresenta ? Em Santa Bárbara. Em, em... Conceição...
MP: Em Santo Amaro, Cachoeira.
HR: Boa Viagem...
MP: Boa Viagem. Eu estou em todos os lugares. Onde sou convidado a ir, eu vou.
HR: Sim.
MP: Estamos aqui prontos para atender qualquer finalidade, seja qualquer lugar. Aonde se interessarem por ela, eu também me interesso em ir.
HR: Onde você acha que a tradição de capoeira é mais puro ? Aqui mesmo ?
MP: É...
HR: O que pensa de Mestre Bimba ?
MP: Nada tenho a responder. A finalidade é outra, e eu não posso introduzir uma finalidade... Agora nessa aqui, eu sei responder sobre ela. Agora lá sobre o outro... Sei que ele é um... A respeito do Bimba, eu não posso dar a finalidade. Porque ele tem a finalidade dele. Só quem pode declarar é ele mesmo.
HR: Mas você acha que... Ele disse que representa uma tradição baiana. Você crê que é baiana ?
MP: Ele é baiano também. A tradição é a mesma. De mim para ele, de ele para mim, penso que não há modificação nenhuma.
HR: Você mestre representa mais uma tradição africana, angolense. Ele apresenta outra tradição mais...
MP: Angola! Ele apresentou então em outra modalidade. Sobrenome de regional. Ele apresenta ela com o sobrenome de regional. Mas ele é angoleiro, ele aprendeu angola.
HR: Era, era...
MP: Ele é tão angoleiro quanto eu sou, aí eu não desmereço ele...
HR: E os outros como Waldemar e Caiçara... São discípulos seus ?
MP: Aqui para nós, eu não posso dar a finalidade do outro. Só posso dar a minha. Porquê eu só posso apresentar a minha, não posso apresentar a outra.
HR: Não, não, eu não perguntei isso. Eu perguntei somente como tradição africana.
MP: É a mesma, a tradição é a mesma. Agora eles tem a declaração deles diferente. Eles aprenderam com outro mestre. Eu não posso dizer nada.
HR: Que planos tem para o futuro ? Para modificar, fazê-la maior ?
MP: O futuro dela é esse mesmo. Da evolução do homem. Aí é somente a evolução do homem. Mas ele tem que se manifestar dentro dela mesmo. No mesmo ritmo, não pode sair fora...
HR: Me diga uma coisa... Que significado tem quando eles começam cantando, e saúdam assim. Uma saudação. Tem algum sentido religioso ?
MP: Ela é religiosa. Vem da mesma religião que tem o candomblé. Tem o batuque, o samba. Ela é da mesma parcela. Agora, com a modificação, um pouquinho diferente. O manifesto é um pouquinho diferente. Mas a parcela é a mesma, a religião é a mesma.
HR: Alguém me disse que há uma rivalidade entre candomblé e capoeira...
MP: Não há rivalidade... É unida.
HR: Em algum livro eu li que há uma briga entre elas. Não há ?
MP: O capoeirista é o mesmo feiticeiro. Agora eles abandonam mais uma parte por outra. Nós acompanhamos o fetichismo. Nós acompanhamos o candomblé. Não fosse assim, nós não iríamos na casa de candomblé. Não é ? Mas é da mesma parcela. Agora um que gosta mais de uma finalidade que da outra.
HR: Claro, claro...
MP: Um corre mais por capoeirismo, outro corre mais por fetichismo.
HR: A revista que lhe prometi, vou lhe mandar da Finlândia. Porque aqui não tem... Do Rio eu podia mandar, porque no Rio tem. Podia mandar alguma fotografia de [inaudível].
MP: Pode mandar. Quanto mais, melhor...