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domingo, 29 de dezembro de 2013

Bimba espalhou capoeira nas praças do mundo inteiro

por Bule-Bule

Dizem que a árvore do bem
tem galhos pra todo lado
Dá sombra pra todo mundo
O fruto é bem procurado
E dá produto excelente
Quando industrializado

Manoel dos Reis Machado
É nossa árvore do bem
Nosso grande Mestre Bimba
Nome que até hoje vem
Famoso na capoeira
Pois não perde prá ninguém

Engenho Velho de Brotas
Local do seu nascimento
Salvador sua cidade
Onde alegria e tormento
Lhe deram vivacidade
Força, coragem e talento

Seu Luís Cândido Machado
Pai consciente e bondoso
Dona Maria Martinha
Mãe de cuidado extremoso
São os pais de Mestre Bimba
Capoeirista engenhoso

A parteira e a gestante
Estavam em discussão
Fizeram até uma aposta
Se era menino ou não
Na hora do nascimento
Surgiu a grande expressão

Era pra anunciar
Na hora do nascimento
A mãe sofria feliz
Aguardando seu rebendo
E a parteira convicta
Pelo seu conhecimento

A mãe dizia é menina
Dizia a parteira é macho
Quando surgiu o neném
A comadre olhou por baixo
E disse ganhei a aposta
O cabra tem bimba e cacho

Nasceu com ele esse nome
Bimba nasceu pra vencer
Cresceu, lutou, ganhou fama
Os pais gostavam de ver
O futuro batuqueiro
Lá na rede a se mexer

O pai, seu Luís Machado
Foi campeão de batuque
Tinha gingado no corpo
Bastante força no muque
Obrigou bons plequeiros
Se estenderam no estuque

Em batuque o pai de Bimba
Nunca perdeu pra ninguém
Bateu baú com durões
Mas sempre se saiu bem
Coxa lisa, encruzilhada
E banda solta também

Batuqueiros do seu tempo
É bom que lembrando vá
Tiburcinho, Bexiga Braba
Também Zeca de Sinhá
Ninguém mais viu coisa igual
Daquele tempo pra cá

O Mestre Nozinho Bento
Também chamado Bentinho
Foi mestre do Mestre Bimba
Mostrou o reto caminho
Aprender com um bom mestre
É melhor do que sozinho

Bentinho velho africano
Foi quem ganhou direito
De dar as primeiras aulas
Viu o aluno perfeito
E disse: esse menino
Vou preparar do meu jeito

Bimba tinha o tipo físico
De uma rocha escarpada
Muito alto, andar dançante
Seguro em cada passada
Olhos grandes, ombros largos
E sempre dando risada

Apertava sempre os olhos
Estudando o inimigo
Gostou muito de charuto
Se zangasse era um perigo
Ninguém levava a melhor
Desafiando consigo

Bimba aprendeu com Bentinho
O toque, a ginga, a malícia
Com pouco tempo, sabia
Tudo com grande perícia
Estava pronto pra briga
Com paisana ou com polícia

Nunca levou desaforo
Mas era camaradeiro
Preservador de amizade
Desconfiado e ligeiro
Não dobrava em uma esquina
Nem pra ganhar dinheiro

Era contra andar armado
No seu modo de pensar
Arma pra capoeirista
Só fazia complicar
Não é bom andar com ferro
Bom mesmo é saber usar

Ganhou a vida, contudo
Fez carvão, cortou madeira
Foi trapicheiro e carpina
Estivador de primeira
Mas o que fez com mais classe
Só foi jogar capoeira

Foi o primeiro a fazer
Desta arte profissão
A primeira academia
Com toda organização
Desde a matrícula ao diploma
A rigidez na lição

Bimba enfrentou com seus golpes
Duas guerras mundiais
Restos da escravidão
Repressões policiais
Mas botou a capoeira
Nos mais altos pedestais

Praticou bem a angola
Aprendeu com quem sabia
Depois criou outra luta
Com mais garra e valentia
Pôs o nome Regional
Representando a Bahia

Teve as melhores sequências
Bastava sempre aplicá-las
Suas pernas em capoeira
Eram como duas balas
Elas fizeram durões
Caírem e perderem a fala

Nos idos de 36
Mestre Bimba foi cercado
Por um bando de soldados
Que estava chefiado
Por Seu Lúcio Barra Preta
Bêbado, valente e armado

Pancada estava sobrando
Quem fosse perto, apanhava
Um inocente sofria
Na hora Bimba passava
Foi defender sem pensar
Que a bagunça aumentava

Caíram em cima do mestre
Agredindo em alto estilo
Uns de sabre, outros de murro
Sem darem o menor vacilo
Como dez frangos de raça
Querendo pegar um grilo

Na luta Bimba tomou
O sabre de Barra Preta
Com ele se defendeu
Terminou tudo porreta
Pois carne humana não gosta
De ponta de baioneta

Na Vila Laura ficaram
Os fincapés na ladeira
A TARDE deu uma nota
Dizendo desta maneira
Ninguém pense que é fácil
Se pegar um capoeira

Quando o chefe de polícia
Teve toda informação
Chamou Bimba para ser
Inspetor de Quarteirão
Pra botar ordem no bairro
Reprimindo a alteração

Mestre Bimba agradeceu
O convite recebido
Dizendo: jamais eu fico
Contra o meu povo sofrido
Pra comer no mesmo prato
Com quem tem nos oprimido

Se qualquer país do mundo
For um dia publicar
Os gênios da capoeira
Quem vier catalogar
No Brasil encontra Bimba
Sempre em primeiro lugar

Bimba agradeceu seu grupo
Para apresentação
Se apresentou para Getúlio
Presidente da nação
Depois foi pelo Brasil
Conquistando multidão

No auge da luta livre
Bimba em São Paulo chegou
Enfrentou com seus alunos
Quem a lutar se arriscou
Perdeu somente uma luta
As outras ele ganhou

Para o aperfeiçoamento
Da luta regional
Bimba contou com o apoio
De um grupo fundamental
Aperfeiçoando os golpes
E cuidando de pessoal

Amigos como Rosendo,
Gigante, Bráz e Crispim
Zé Pequeno e Atenilo
Clarindo, Rosa enfim
Foram instrumentos base
Dessa lâmpada de Aladim

Hoje o mundo reconhece
Todos seus ensinamentos
Através de novos mestres
Com amplos conhecimentos
Marcando uma nova época
Revestidos de talentos

Citando alguns alunos
Que seguiram o seu caminho
Camisa Roxa e Borracha
Itapoan e Edinho
Eziquiel e Amadeu
Flecha, Dodo e Chiquinho

Tem Vermelho 27
Na antiga academia
Xáreu, Júlio 29
Luís, Bolão, Alegria
Acordeon, Camisinha
Augusto de São Pedro e Gia

Saci, Formiga e Nenel
Muniz, Jair, Luisinho
Salário Mínimo e Preguiça
Todos com muito carinho
Ajudaram ao Mestre Bimba
Por a iúna no ninho

Quando a capoeira era
Censurada em alto meio
A academia de Bimba
Um certo convite veio
Do governo do Estado
Bimba atendeu com receio

Por ser muito conhecido
E ter bronca pra sobrar
Avisou aos seus aluno
Governo mandou chamar
Se me prenderem, vocês
Procurem me soltar

Quando chegou no palácio
Foi tratado dignamente
Cortejado como artista
Respeitado como gente
Contratado para um show
Pro Governo e Presidente

Mas nesse jardim de glória
Veio o verão da idade
Junto a falta de apoio
Com injustiça e maldade
E Bimba foi obrigado
Deixar a nossa cidade

Um dos seus alunos fez
Contra o mestre um triste plano
De arrastar da Bahia
Levando para o chão goiano
A fim de tirar proveito
Daquele gênio baiano

A fim de ser diplomado
E ter sua academia
Prometeu casa e comida
Fez uma cama macia
Mas por baixo colocou
O lençol da covardia

Levou Bimba pra Goiás
Tirou da nossa Bahia
Armou o laço maldoso
Notou que o mestre caía
Correu fugindo de fome
Sem suspeitar que sofria

Lamentava entristecido
O meu presente de grego
Foi entregue antes da hora
Pensei encontrar sossego
Encontrei decepção
Desrespeito e desemprego

Dizem que o pulo do gato
Mestre não pode ensinar
Fica o espelho de Bimba
Pra o mundo se mirar
Confiar desconfiado
É lei do bem pensar

Gênio quando vem ao mundo
Chega com a mão vazia
Traz o peito cheio de sonho
Seja na música ou na poesia
Política, arte ou esporte
Prosa ou filosofia

No ano 74
A 5 de fevereiro
Bimba fechou seu arquivo
Deu adeus ao mundo inteiro
Entrou de férias na Terra
Foi ver Deus, pai verdadeiro

Os berimbaus soluçaram
Alunos botaram luto
O dia é relembrado
Como uma data de culto
Hoje os livros e os filmes
Representam o seu produto

Fez tudo e morreu sem nada
Pouco gozou do império
Quando saiu pra Goiânia
Disse com todo critério
Se não gozar da riqueza
Gozo do teu cemitério

Hoje o nome Mestre Bimba
Na cultura é muito forte
Longo caminho, alameda
Rua, praça de esporte
Tanta miséria na vida
E tanta honra na morte

Luís Gonzaga foi rei
Cantando mulher rendeira
Pelé foi o rei da bola
Com meião e com chuteira
E Mestre Bimba, sem dúvida
Foi o rei da capoeira

Bimba, a memória do povo
Lhe prestará homenagem
Enquanto os poderes públicos
Faltam respeito e coragem
Nos lembramos com pesar
A sua última viagem

Adeus Planalto Goiano
Adeus Bahia altaneira
Adeus Roça do Lobo
A Liberdade, a Ribeira
Adeus, adeus, Mestre Bimba
Nosso rei da capoeira