domingo, 20 de março de 2016
Fim de samba
O samba acabou em choro. Depois do agogô deixar de ressoar, do pandeiro ser posto na parede, da viola ser guardada no saco, do couro do atabaque esfriar, vieram lágrimas. O samba acabou em choro, porque de há muito não havia outra forma de acabar. Há os sambas que acabam em gargalhada, nos quais o suor gruda na camisa e dos quais se sai com um sorriso que cabe um terreiro inteiro. Mas há também os que são sincopados demais, sambas de breque que vão brecando pela vida. Acelera, pára, acelera, pára. Um compasso se perde ali, a melodia azeda um tiquinho acolá. As lágrimas vão se formando nas solas dos pés, e à medida que se samba elas vão enchendo as canelas, coxas, cintura. Inundam o coração e finalmente vazam dos olhos. É um fim que se poderia ver de longe, se o sambista estivesse mais atento. E assim, quando o samba acaba, corre a água. O samba acabou em choro, mas foi um samba doce de se sambar. Escorregando e caindo, teve seu molejo. Deixa saudade no coração do sambador - saudade agridoce. Saudade do ponteado que se fez na viola, mas não daquela corda que se quebrou. Saudade daquele repicado que se fez no pandeiro, mas não do dia em que o pandeiro furou na beirada. O samba acabou em choro, e agora há um mar a se escoar por furinhos que mal cabem a corda mi do cavaco. O samba acabou em choro e agora é hora de limpar a mesa, arrumar as cadeiras, juntar os cacos da moringa. Desce o pano.
Marcadores:
pensando alto
quarta-feira, 21 de janeiro de 2015
A semana
A semana (Domínio público)
Sigunda plantei a cana
Terça manheceu nasceno
Na quarta fiz u engenho
Quinta manheceu mueno
Na sexta fiz a cachaça
Sábado manheci bebeno
Duming'acordei di ressaca
I sigunda recomecemo
Camaradinho
Méxi c'a cuia Mariquinha
Agora chegou mais um!
Méxi c'a cuia Mariquinha
Agora chegou mais um!
Sigunda plantei a cana
Terça manheceu nasceno
Na quarta fiz u engenho
Quinta manheceu mueno
Na sexta fiz a cachaça
Sábado manheci bebeno
Duming'acordei di ressaca
I sigunda recomecemo
Camaradinho
Méxi c'a cuia Mariquinha
Agora chegou mais um!
Méxi c'a cuia Mariquinha
Agora chegou mais um!
Marcadores:
ladainha
sábado, 19 de julho de 2014
Jamais esquecer!
"Nenhum dia amanhece, para um escravo", escreveu um negro liberto. "E esse amanhecer também não é buscado. Para o escravo, é sempre noite. Noite para sempre".
Um nativo do Mississipi, branco, foi ainda mais direto: "Eu preferia estar morto", disse ele, "a ser um crioulo nessas grandes fazendas".
Um escravo chegava ao mundo em uma cabana de um quarto e chão de terra, congelante no inverno e escaldante no verão. Cabanas de escravos geravam pneumonia, tifo, cólera, tétano, tuberculose. As crianças que sobreviviam o suficiente para serem mandadas para os campos aos 12 anos, tinham dentes podres, vermes, disenteria, malária. Menos de 4 em 100 chegavam aos 60 anos.
O trabalho começava ao nascer do sol, e continuava enquanto houvesse luz. 14 horas, às vezes - a menos que houvesse lua cheia, pois então durava ainda mais.
No quarteirão dos leilões, os escravos tinham que pular e dançar para mostrar a sua agilidade, e eram despidos para demonstrar quão poucas chicotadas precisavam.
Os compradores os cutucavam e apertavam, examinavam seus pés, olhos e dentes. "Precisamente", lembra um ex-escravo, "como um jóquei examina um cavalo".
Um escravo podia esperar ser vendido ao menos uma vez em sua vida. Às vezes, duas; talvez mais.
Dado que casamento entre escravos não tinha valor legal, os pastores mudaram os votos de união para "até que a morte ou a distância os separe".
"Você sabe o que eu faria ? Se visse que ia ser escravo novamente ? Eu conseguiria uma arma e acabaria com tudo de uma vez por todas. Porque você não é nada além de um cão. Nada mais que um cão".
Alguns escravos recusaram-se a trabalhar. Alguns fugiram. Ainda assim, os negros lutaram para manter suas famílias unidas. Criaram sua própria cultura sob as piores das condições. E ansiaram pela liberdade.
Você pode nocauteá-los!
O meu pai costumava dizer assim: "Você não pode vencer os brancos em nada. Nunca. Mas você pode nocauteá-los. Se você tiver 6 e ele tiver 5, ele vence. Se você é negro, não pode deixar a decisão ir para o juiz. Porque você vai perder. Não importa o quanto você tenha batido no outro [lutador]".
Larry Holmes versus Gerry Cooney é o exemplo perfeito da VIDA. Larry Holmes meteu a porrada no Gerry Cooney por 11 assaltos. Ele o nocauteou no 11o assalto, e a luta terminou. O Gerry estava sangrando muito, apanhou a luta inteira. Quando foram olhar as pontuações dos juízes, Larry Holmes estava PERDENDO a luta. Se ele não tivesse nocauteado o outro, teria perdido o título.
E essa é essencialmente a experiência do negro. Você é sempre negro, e sempre vai haver uma reação exagerada, de uma maneira ou de outra. Hahaha. A respeito da sua presença. Seja boa ou má.
Só por deixarem o Jackie Robinson (primeiro jogador negro de baseball profissional, iniciou a carreira na liga principal em 1947) jogar, não quer dizer que o baseball é igual para todos. Estatisticamente, o baseball não foi igual até os anos 70. E por que eu digo anos 70 ? Porque, foi quando começamos a ver jogadores negros RUINS.
A verdadeira igualdade, é a possibilidade de ser tão ruim quanto o homem branco. Este é o sonho do Martin Luther King tornado realidade. É poder ser ruim.
Eu vejo as cerimônias do Oscar. Ok, essas são as pessoas que fizeram os filmes bons. Onde estão as pessoas que fizeram os filmes ruins ? Eles são a maior parte da indústria.
Eu quero ser como eles! Não que eu queira ser ruim. Eu quero a licença para ser ruim e ter a chance de voltar a atuar. A licença de aprender.
Marcadores:
racismo
quinta-feira, 17 de abril de 2014
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Voltando para o gueto ?
O GoogleTrends é uma ferramenta bacana: resumidamente, ele mostra gráficos que indicam o quanto uma palavra é pesquisada no Google. Isso se traduz no quanto essa palavra é interessante para as pessoas mundo afora, ao longo do tempo.
Por exemplo, o GoogleTrends foi utilizado para se detectar possíveis epidemias de gripe ou de dengue. Ao cruzar as pesquisas feitas no Google por "dengue" com a informação geográfica de onde as pesquisas são feitas, conseguimos desenhar mapas que mostram lugares do mundo onde as pessoas se preocupam mais com a dengue - provavelmente porque estão em risco.
Abaixo, a pesquisa no GoogleTrends sobre dengue, filtrada para o Brasil.
Mas... E onde entra a capoeira ?
Se pesquisarmos "capoeira" no GoogleTrends, o resultado é esse abaixo:
Os dados não mentem: de 2004 para cá, o interesse do mundo pela capoeira está diminuindo - ou pelo menos, as pessoas não estão pesquisando mais no Google.
Eu me lembro do início da internet no Brasil, que coincidiu mais ou menos com o meu início na capoeira (1996). O Google ainda não existia, e os mecanismos de busca eram bem ruinzinhos. Os primeiros sites sobre capoeira que me lembro de ter visto foram o do Abadá e a página web de um capoeirista chamado Escovinha - aluno do Mestre Marcelo Caveirinha.
Quando vi isso, tratei de criar uma página web para o meu grupo - treinava então com o Mestre KK Miraglia, no grupo Arte & Luta. Pouco tempo depois, por volta de 1999, o panorama da capoeira na internet explodiu - especialmente fora do Brasil. De repente, apareceram muitos websites ligados ao assunto, e o maior deles era o www.capoeira.com - no qual fiz grandes amigos dentro e fora do país.
O tempo passou, a água correu, e a capoeira se difundiu cada vez mais - ou será que não ? O que a pesquisa do GoogleTrends mostra é que a tendência a procurar por "capoeira" na internet está diminuindo.
Isso é reflexo de mais e mais pessoas querendo experiências reais ao invés de virtuais ? É reflexo das crises financeiras pelo mundo afora, que trouxeram muitos capoeiristas de volta para o Brasil nos últimos anos ?
Será que a capoeira está caminhando para se tornar "misteriosa" novamente ?
Quando aumentamos o escopo da pesquisa, vemos que o interesse pela capoeira angola também diminuiu:
Já a capoeira regional tem um interesse razoavelmente constante:
Comparando as duas simultaneamente, vemos a popularidade da angola decair com o tempo, embora ainda seja mais popular que a regional:
Já o nosso berimbau, está cada vez mais popular...
E você, o que acha ? Na sua percepção, a capoeira tem ficado menos popular com o tempo ?
Marcadores:
artigo
Assinar:
Postagens (Atom)