quinta-feira, 30 de julho de 2009
A primeira remessa de dinheiro do projeto "Mestre Waldemar - eu cantei a Capoeira" foi entregue ao Mestre Bigodinho no dia 22/07, pelo Mestre Lua Rasta. A equipe do projeto agradece ao Mestre Lua, e deseja melhoras ao Mestre Bigodinho !
Mais informações sobre o projeto aqui.
segunda-feira, 20 de julho de 2009
sábado, 18 de julho de 2009
O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).
O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.
Mestre Matiole: O senhor viveu em Salvador, na capital, assim a vida inteira ?
Mestre Caiçara: Não, eu viajei muito... Eu tive [???] Pernambuco.
MM: Mas, sempre capital ?
MC: Hein ?
MM: Sempre capital ?
MC: Capital. E numa cidade do interior de Pernambuco, chamada Goiana. A terra do gaiamun. Sou registrado na capital, na Federação de Cultos Afro-Brasileiros. Eu falo ketu, jêje, congo, caboclo, [???], umbanda e quimbanda do [???], da cabeça aos pés. Eu lhe xingo, e lhe trato bem. Lhe xingo do [???], trato dentro do [???], do [???].
MM: ... a sombra. Fica do lado de cá, por causa da luz... E se o senhor ficar feio naquele quadro ali, mestre ? Se o senhor ficar feio naquele quadro ali, como é que vai ficar ?
MC: Feio ? Não sou feio, sou bonito !
MM: Mas e se ele botar o senhor...
MC: Mas eu sou bonito, de nascença ! Mamãe dizia: "Vizinha, vizinha, olha como o meu filho é lindo !" Qual a mãe que acha seu filho feio ? Hahahaha.
MM: É isso, mestre...
MC: Eu sou bonito ! Eu sou distraído... Quando [???] universidade, principalmente as crianças. Mas eu [???] de qualquer juventude. Eu olho o carinho, a paz que seja [???]. Agora, eu quero que você seja aquilo que você é. Não seja falsidade. Seja realista, não seja falsista comigo. Já dizia [???]: "Não me importa eu seja mais alto que esse prédio". Não. Me diga... Sabe que vai morrer agora, mas diga. Olha como eu sou todo baleado...
MM: Isso é bala, mestre ?
MC: Olha aí... Olha aqui, bala.
MM: Ih... O que é isso ?
MC: [???] de facão, [???] de facão. Ó os cacete. Ó os cacete. Tem mais na perna. Olha. Faca. [???]. Minhas brigas, sabe por que ?
MM: Isso que eu queria saber...
MC: Porque, eu encontrava o senhor ali, não lhe conheço. Mas tem dois, três lhe agredindo, eu ia lá. Não quero saber quem o senhor é. Sabia que aquilo era covardia, dois ou três lhe agredindo. Quando eu compreendia que o senhor não [???] que ele, compreendia que o senhor era... Na verdade o senhor era, até era superior a mim, sabia mais brigar de que eu. Mas eu não acreditava, não queria saber, queria lhe defender. Aí aqueles que tava, três ou dois, achava que eu tava no fígado, achava que era mais homem que eu, e aí o pau quebrava. Se correr o bicho pega, se ficar, o bicho come. Eu quero ver eu deitando no bicho. Hahahaha. Pois é. E há muito tempo você vê que um galo de briga, faz que vai, faz, quando você corre... Hahahaha. E outros ficam dentro de casa... Hahaha... [???]. O médico botou uma ponte, o cabra disse "sangre aqui".
MM: O sangue ?
MC: É, eu tenho sangue de [???], que de vez em quando eu mando uma enfermeira meter a seringa de 40. E tirar duas seringa. Cheia. Chega no sanitário, tsss. Meu sangue é muito quente, caiu aí, talha. Não sei o que é exame de fezes, de urina, de cabeça, [???]. Bebo, só bebo uísque puro. Quer ver minha comida, oito e meia da manhã ? É a feijoada. [???]. O grande é um abacaxi. Um caneco deste tamanho de limonada. Um prato assim de salada de tomate. Um prato de feijão. Mocotó [???]. Hahahaha.
MM: Saúde, né mestre ?
MC: É ! Deus me deu um tesouro: foi a saúde. É a melhor coisa que tem. Três coisas no mundo: Deus, saúde e amigos. É a melhor coisa do mundo. Eu espero o senhor um dia, na Bahia, para a gente...
MM: Vou sim...
MC: É, você diz assim: "Vou na casa do véio, vou tomar uma [???] com o véio". A rapaziada hoje em dia tá acabada. Cheia de tosse, muita tosse, não pode ter essa... O senhor que é médico... Olha aí, ó.
MM: Não tem trem melhor...
MC: Nada, mas eu também [???] não... Ele trabalha, disse "trinta e três". Eu não digo, eu digo "mil e três". Hahaha.
MM: Isso, mestre.
MC: É ?
MM: Graças a Deus.
MC: Graças a Deus, é. O meu remédio, de vez em quando, o senhor que é médico, tem que tomar. Para a sua saúde.
MM: Qual é o remédio ?
MC: De vez em quando, sumo de mastruz com leite, de manhã cedo.
MM: Sumo de ?
MC: Do mastruz. Conhece mastruz não ?
MM: Não... O que é mastruz, mestre ?
MC: É um mato. Ele serve para... Conhece ? Aquilo é bom até para verme. O que estiver dentro, sai. [???].
MM: Sumo de mastruz com leite...
MC: Com leite ! Não todo dia, porque é muito forte. Até verme que você tiver, por mais perigosa que seja, você bota ela prá fora. E dá uma fome...
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Padi anda di batina
Padi anda di batina
Mai num pense qu'é muié
A vaca mansa dá leite
A braba dá si quisé
Já fui barco, fui navi
Hoje eu sô iscalé
Já fui mininu, sô home
Nunca hei de sê muié
Camaradinho...
Pisa nu chão, pisa manêro
Num pode cum furmiga, num assanha furmiguêro
Pisa nu chão, pisa manêro
Num pode cum mandinga, num assanha mandinguêro
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Extraído/adaptado de um texto de Augusto Mário Ferreira Jornalista/escritor, formado em capoeira pelo Mestre Bimba em 1956
Baseada em pesquisa histórica do advogado baiano Gabino Kruschewsky ("A Tarde", 27/6/76, p. 6.), arquivada
na hemeroteca sobre capoeira do advogado/tenente, Esdras Magalhães dos Santos (Mestre Damião)
Quando desceu o portal de honra do navio da Marinha, o Conde D'Eu, em traje de gala, avistou uma Salvador engalanada para recebê-lo com honras de estilo. Já no tapete vermelho sobre o piso esburacado do cais do porto, recebeu as boas vindas do conselheiro Almeida Couto, presidente da província da Bahia, e as saudações da aristocracia local e também de membros da Guarda Nacional.
Marido da Princesa Isabel, herdeira do trono, o conde de origem francesa e naturalizado brasileiro, visitava a Bahia como representante do Imperador Dom Pedro II, que se reteve no Rio administrando as arruaças diárias contra a monarquia, insufladas pelos simpatizantes do pretendido regime republicano.
Conde D'Eu cumpria uma espécie de missão diplomática de apaziguamento dos ânimos políticos, alvoroçados pelo manifesto antimonarquista da Convenção de Itú, de 18 de abril de 1873. Ainda ressabiado de suas recentes aparições públicas, ele temia a repetição em Salvador dos apupos que os membros da Corte, inclusive ele, receberam durante um cortejo de carruagens, liderado pelo próprio Imperador quando este deixara a residência imperial da Quinta de Boa Vista para circular pelas ruas do Rio, numa daquelas tardes tumultuadas de 1883.
Nem o conde, nem ninguém sabia que, no mesmo instante de seu desembarque, no mesmo instante de seu desembarque, estudantes anti-monarquistas da Faculdade de Medicina da Bahia, preparavam-lhe uma manifestação hostil, com vaias, ovos e tomates podres, na Ladeira do Pelourinho, por onde deveria passar daí a pouco, e depois do acesso à Cidade Alta pela subida do Taboão.
Ignorava também que numa das vielas estreitas do Maciel de Cima, proximidades da mesma faculdade de Medicina, o arruaceiro debochado Manoel Benicio dos Passos, por conta de suas simpatias monárquicas, mobilizava um grupo de capoeiristas de primeira linha para empastelar a manifestação estudantil com porretes de peroba e golpes de capoeira. Mulato sarará de cabelo crespo, atlético e corajoso, curtido de muitas cadeias por arruaças, Manoel Benício recebeu o apelido de "Macaco Beleza", pela extrema feiúra de sua cara e pela agilidade de macaco com que jogava.
Não deu outra: quando os estudantes interceptaram o cortejo do conde no sopé da Ladeira do Pelourinho e começaram a vaiar e a atirar ovos e tomates, a turma de Macaco Beleza caiu de pau (de peroba) em cima da estudantada. Em instantes dissolveu a manifestação, deixando muitos feridos pelas porretadas e pelos golpes de capoeira. Vitorioso, subiu num caixote e mandou ver um discurso inflamado em defesa da monarquia.
- Quero esse popular na recepção desta noite, no Palácio como meu convidado de honra - ordenou o conde D`Eu ao seu anfitrião, o conselheiro Almeida Couto. O Conselheiro tentou dissuadir o conde, informando tratar-se de um arruaceiro de péssimos antecedentes, um capoeirista (sinônimo de marginal na época), cuja presença na recepção poderia constranger os demais convidados. O conde contudo foi enfático:
- O Baile é meu e o convidado é meu.
Pouco tempo depois, já dois emissários do presidente da Província formalizavam o convite ao Macaco Beleza e negociavam com ele as condições estebelecidas pelo conselheiro Almeida Couto que começavam com uma advertência e uma ameaça:
- Fica proibido de fazer besteiras. Se fizer, vai mofar na cadeia, depois que o conde for embora.
Nem a advertência, nem a ameaça o preocupavam. Tinha outras preocupações:
- Só vou lá se o conselheiro pagar uma roupa nova pra mim - sentenciou o capoeirista, que jamais primara pela elegância. Irritado pela petulância do capoeirista, que ele detestava e a quem mandara prender várias vezes, e sobretudo pelo incômodo convite do conde, o conselheiro Almeida Couto obrigou a alfaiataria do Palácio a costurar em poucas horas uma roupa de gala para o Macaco Beleza, que enfatiotado e exalando perfume barato de prostituta, foi o primeiro a chegar ao palácio.
Depois de receber as honras da banda de música, ele esperou, como faziam os nobres, o anúncio de sua presença, feito pelo mestre de cerimônias para só então, com seu passo de malandro, atravessar o salão luminoso e enfeitado:
- Sua Excelência, o nobre senhor Manoel Benício dos Passos, convidado de honra em nome de sua Alteza Imperial. O anúncio supreendeu a oficialidade do Corpo a Guarda presente e revirou o estômago do Conselheiro Almeida Couto, que, por precaução isolou Macaco Beleza bem no fundo do salão. Após a chegada de todos os convidados, o conde D'Eu, com a imponência dos seus quarenta e dois anos, apareceu na mesma porta por onde entrara Macaco Beleza e esperou a vez do seu anúncio:
- Sua Alteza, representante do Imperador D. Pedro II, comandante em chefe das forças navais e terrestres, vitoriosas na guerra contra o Paraguai, Luís Felipe Maria Fernando Gastão D'Orleans, o conde D'Eu!
Macaco Beleza nem esperou o fim dos aplausos. Sob o olhar irado do Presidente da Provínica, atravessou o centro vazio do salão e, quebrando o protocolo, supreendeu o conde com um abraço vigoroso, desvencilhou-se e se apresentou ao conde, declamando em tom solene uma trova que demorara para decorar:
"Manoel Benício Passos,
vulgo Macaco Beleza.
Escravo da Monarquia
e servo de Vossa Alteza"
O Presidente da Província aproximou-se e tentou consertar o vexame e o conde, risonho e descontraído, mostrou-se encantado com a trova simplória e com a confessa fidelidade daquele homem do povo. Desconcertado o conselheiro Almeida Couto cochichou uma repreensão qualquer no ouvido do Macaco Beleza. O cochicho ninguém ouviu, mas a gargalhada geral ecoou pelo salão quando todos ouviram em voz alta a resposta galhofeira:
- Qual é "seu" conselheiro! Esta me estranhando? Pensou que eu ia fazer besteira? Pois não sabe que sou baiano, nascido na Bahia, e que baiano burro nasce morto!
A risada dos convidados e do conde consagrou a frase conhecida e repetida no país inteiro, mesmo passados estes cento e tantos anos, desde o ocorrido.Extraído/adaptado de um texto de Nestor Capoeira, publicado na Revista da Capoeira #03
Quando Alexandre Mello Moraes Filho, escritor que viveu há mais de cem anos no Rio de Janeiro, e que conheceu pessoalmente o terribilíssimo Manduca da Praia, publicou seu livro (Festas e Tradições Populares do Brasil (Rio: F. Briguiet e Cia, 1946)), eis o que ele contou:
Por volta de 1850, Manduca "iniciou sua carreira de rapaz destemido e valentão, agredindo touros bravos sobre os quais saltava, livrando-se". Dotado de uma enorme força física e "destro como uma sombra", Manduca cursou a escola de horário integral da malandragem e da valentia pelas ruas do Rio, na época de perigosos capoeiras como Mamede, Aleixo Açogueiro, Pedro Cobra, Bem-Te-Vi e Quebra Coco.
Desde cedo destacou-se no uso da navalha e do punhal; no manejo do Petrópolis - um comprido porrete de madeira de lei, companheiro inseparável dos valentões da época - na malícia da banda e da rasteira; e com o soco e a cabeçada e o rabo-de-arraia tinha uma intimidade a toda prova.
Manduca não era um "filósofo da capoeira" como, João Pequeno e João Grande; nem tampouco um representante do espírito da "malandragem alto astral" como Leopoldina. No entanto, tinha algo que o destacava e diferenciava de seus contemporâneos - facínoras, valentes e rufiões - fazendo que se tornasse uma lenda viva, e mais tarde um mito cantado e celebrado até os dias de hoje: uma inteligência fria, calculista e implacável; uma sede de poder, de status e de dinheiro, tudo isto aliado a uma visão de comerciante e de homem de negócios.
A capoeira do Rio, por volta de 1850, era muito diferente da que conhecemos hoje. A capoeira era perseguida pela polícia. Não havia academias. O jogo era quase que uma briga-de-rua, sem berimbau e sem floreio. Era a época em que as maltas de capoeiras, como a dos Gaiamus ou a dos Nagoas, aterrorizavam a população carioca.
Semelhante as gangues de nossos dias, as maltas daquela época dividiam a geografia da cidade em fatias e cada uma reinava absoluta na sua área. Manduca, no entanto, "não recebia influencias da capoeiragem local nem de outras freguesias, fazendo vida à parte, sendo capoeira por sua conta e risco". Era capanga e guarda-costas de ilustres políticos.
"Nas eleições (do bairro) de São José, dava as cartas, pintava o diabo com as cédulas. Nos esfaqueamentos e nos sarrilhos próprios do momento, ninguém lhe disputava a competência".
O Manduca "respondeu a 27 processos por ferimentos leves e graves, saindo absolvidos de todos eles pela sua influencia pessoal e de seus amigos".
Manduca ficou mais célebre ainda com a chegada no Rio, do "deputado português Santana, que gostava de brigas, que não recuava diante de que quer que fosse, e que tendo notícia do Manduca, procurou-o. Encontrando-se os dois, houve desafio, acontecendo àquele (ao Santana) saltar nos ares ao primeiro camelo do nosso capoeirista, depois do que beberam champagne ambos, e continuaram amigos".
Mas nem só de valentia e champagne; de mumunhas com políticos; de esfaqueamentos na época da das eleições vivia nosso personagem. Manduca, como dissemos, além da inteligência de predador tinha também o senso dos negócios. Valendo-se de seu prestígio e de seus conhecimentos nas altas esferas do poder, "montou uma banca de venda de peixe na praça do Mercado, era liso em seus negócios, ganhava bastante e tratava-se com regalo".
Quando Mello Morais - o escritor - conheceu-o, há mais de cem anos, o Manduca já era um homem maduro. "Alto e reforçado, usava uma barba crescido em ponta, grisalha e cor de cobre...nunca dispensava o casaco grosso e comprido, e a grande corrente de ouro de que pendia o relógio...de olhos injetados e grandes, de andar compassado e resoluto, a sua figura tinha alguma coisa que infundia temor e confiança".
O Manduca fez fama e dinheiro. Foi famoso, temido e respeitado. Foi feliz? Talvez só Besouro e Nascimento Grande ou o próprio Manduca pudesse responder a esta pergunta.
No meu Rio de Janeiro, se a memória não falha....
Extraído/adaptado de um texto de Severino Barbosa, publicado na Revista Capoeira #04
Seu nome era José Antônio do Nascimento, mais conhecido em Recife como Nascimento Grande. Nunca recusou uma luta e nem mesmo perdeu alguma. Era alto, robusto, moreno, bigodes longos, cortês, usava invariavelmente um chapelão desabado, capa de borracha dobrada no braço, pesava aproximadamente 130 quilos e usava sua tão famosa bengala, que conforme ele: "uma bengalada derrubava um homem, duas desacordavam e três matavam".
Honesto, embora protegido dos chefões e políticos da época, mesmo tendo consciência de sua força, nunca provocava os adversários e jamais tomava a iniciativa das lutas. Preferia ser insultado para depois revidar e esganar o inimigo. Isso o fez famoso e odiado pelos "brabos" de Recife. Alguns diziam que ele tinha o corpo fechado, pois foi atacado por diversas vezes por disparos de arma de fogo a queima roupa e nunca foi ferido. Tudo graças a um amuleto com um "Santo Lenço" que ele carregava.
Segue a descrição de algumas lutas travadas por ele:
- Antonio Padroeiro, ajudado por mais sete homens foi abatido por um tiro de arma de fogo que foi tomada dele por Nascimento Grande. Após levar um tiro, Antonio Padroeiro foi espancado até a morte.
- Pajéu, o maior malfeitor do bairro de São José, atacou Nascimento Grande com uma "peixeira", mas foi desarmado, recebeu uma surra e foi obrigado a vestir-se de mulher, sob gargalhadas do público.
- Certa vez, Nascimento foi cercado por uma viatura. Subiu então em um telhado e dele pulou sobre a viatura atacando os soldados com bengaladas, obrigando-os a fugir.
- A maior luta de Nascimento Grande foi contra João Sabe Tudo, que era seu mais feroz adversário e um dos valentões mais temidos de Recife. Os dois evitam se encontrar, só que em um Domingo de manhã se esbarraram perto da ponte do Largo da Paz. Não houve tempo pra discussões e a briga começou. João Sabe Tudo de "peixeira" na mão e Nascimento Grande com a bengala. Golpes zuniam no ar, e foi se formando a multidão, com grupos de curiosos que aplaudiam ora um ora outro combatente. A Cada rasteira, negaça os aplausos choviam. E os dois valentões avançavam um contra o outro, ou recuavam estrategicamente, ambos ligeiros e valentes. Mas as horas do dia foram passando e a batalha continuava, cada vez mais violenta, sem vencido sem vencedor. E os dois lutadores, em fugas, avanços e negaças, foram descendo a Rua Imperial. A multidão acompanhando. Atingiram a Praça Sérgio Loreto. Avancaram mais e de repente chegaram a Matriz de São José. Entraram na Igreja, e a multidão barulhenta atrás deles. Foi quando apareceu o Vigário da Matriz, indignado. Gritou para os dois valentões, feridos e extenuados, e os fez parar. Mais ainda, intimou que respeitassem a casa de Deus e exigiu que apertassem as mãos. Os dois inimigos, embora desconcertados, obedeceram. Foi essa a última luta de Nascimento Grande e João Sabe tudo, os maiores valentões do Recife Antigo.
Nascimento Grande morreu velho, aos 90 anos.
meros alunos sem qualquer vantagem econômica de minha parte e claro ! É grande a procura de escolas desse gênero por parte de rapazes que a querem fazer o grande esporte nacional, e nunca deixa-la cair no esquecimento. As probabilidades de sucesso dessa sua academia, como podeis ser, seriam, digo, são inormes devido a grande procura e ausencia de establicimentos desse gênero em todo o sul do país, particularmente em são Paulo.
Abaixo vai o endereço para onde deverá ser remetida a resposta desta.
Atenciosamente
Ruy Vieira d'Almeida
R. Groenlândia no 1717
Jardim Europa
São Paulo
115661 12-11-56
Como diz o envelope Academia de Capoeira de Vicente Pastinha. Ladeira do Pelourinho 19.
Prezado Senhor
Tendo lido hoje uma grande noticia no jornal "Estado de São Paulo sôbe a capoeira, consegui algo que a muito procurava e encontrei o endereço de um grande capoeira baiano, sem dúvida alguma, os mestres dessa arte. Resolvi então, vos escrever pedindo uma informação e t tomar a liberdade de vos dar uma sugestão. Sou paulista, moro em São Paulo, sempre tivi grande adimiração pela capoeira e grande vontade de aprender essa arte de defesa e ataque, por mais que procurasse de um bom ou mau capoeira, que tivesse uma escola onde eu a pudesse aprender. Venho então muito respeitosamente a vos, pedir que tenha a gentileza de me mandar um endereço onde eu possa aprender aqui em São Paulo. Caso não haja em todo S. Paulo uma única academia, vos daria a sugestão de abrir aqui uma, podendo eu lo de inicio vos arrumar inú-
Em 1952 eu fui convidado air a S. Paulo, por dois superiores da S. O. R. na Praça 15 de Novembro de 1952
lisavam no batuque, na dan~ca do candobre, o batuque é luta, o candobre é para da volta no corpo, que eles diziam, ginga meu fio, pra dibra das garras do agressor e o restos não é mais com migo.
Qual foros as trez armas dos nêgros ? O batuque, o candobre e a luta dos caboclos, a baixo esta a esplicações.
Para que serve o berimbau ?
Não é só para indicar o jogo. E, porque o birinbau na hora H. é pirigouzo ? É perigouso, nas, mãos de quem sabe maneijar o birimbau, ou coisa semelante. Porque trena-se apanhar a moeda com a boca ? Não é com interesse na moeda que tem valor dinheiro, é para a sua hora de aperta, aplica-se o truque, e o agressor, vai, ou não, na onda. Porque cantam com inredo ? inprovizado ? É para quando chegar na roda pessôas que é estranha, ou mestre, o inproviso adeverte a roda se deve ou não continuá, ou anima-se. Porque dividiram a capoeira ? a 1a é a de largo, diz demonstrações, a 2a é a do agressor, é segredada, a 3a é a dos golpes, cacetinho, e outras. Porque dizem que a capoeira não tem glopés ? Se a capoeira não tem golpés ? Os caboclos, não lutavam, os nagôs não idea-
terça-feira, 14 de julho de 2009
Centro Esportivo de Capoeira Angola tem o prazer de convidar a sociedade Bahia, Autoridades, Imprensa e povo em geral para assistirem a 1a Demonstração Publica Oficial da Capoeira Genuinamente Angola, a ser realizada no dia 24 do corrente, as 20 30 hs na sede do esporte Clube Brasileiro no Edificio Oceania - Barra. Ingressos Cr$20,00.
Vicente Ferreira Pastinha, P. S. Silva.
Eu não tenho conhecimento da renda.
esqueceu da proposta, vos fizete em reunião para mudar as côres das camisas de preto e amarelo, para branco, com o escudo vermelho ? E não foi aceito por nenhum, se quer. se eu lhe entreguei tudo ja pronta para registra-la, como Snr. Paulo Stos. Silva pode confirmar o que esta no registro e no estatuto, errou Snr. Paulo; a verdade não morreu.
Historico de Biografia do Centro E. C. Angola
Subindo a ladeira da praça encontrei-me com o Snr. Ricardo e Snr. Paulo Santos silva, foi nesta ocasião que tive a oportunidade de conhecer Snr. Paulo S. Silva, em sua casa convocamos uma reunão e elegemos o Snr.Paulo como Presidente em Setembro de 1952. Se o Centro Esportivo de Capoeira Angola foi fundado em 23 de Fevereiro de 1941; e não em 1o de Outubro de 1952, como diz o Estatutos, Snr. paulo S. Silva diz ainda no mesmo Estatuto que ele é Idealizador e Fundadôr, diclpe minha expressões Snr. Paulo, os legitimos fundadores s"ao: Amosinho, Aberrêr, Antonio Maré, Zeir, Daniel Noronha, Livino Diogo, Vitor H. U., Olampio, Onça Preta, Alemão, Pompilio dos Santos, Domingo do Magalhães, Athalydio Caldeira Presidente, Aurelydio Caldeira V. Presidente, e Vicente Ferreira Pastinha idealisadôr que deu o nome de Centro Esportivo de Capoeira Angola escolhi as côres, para camisas e feitas por mim. Disculpe-me Snr. Paulo.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
A diáspora Bantu |
Tu ensinarás três palavras de oração,
três Padre-nossos e três Ave-marias,
que permitam ao Africano,
voltar um dia à Guiné!"-
A diáspora Sudanesa |
Séculos mais tarde da fundação do Forte de Arquim, os Portugueses construíram um novo forte em terras litorrâneas do povo Hweda, que os mercadores de escravos logo traduziram por Ajuda, daí o nome de Forte da Ajuda, por onde começou o fluxo de escravos de etnia sudanesa para o Brasil. A princípio, eram muito poucos e resultavam das guerras internas promovidas pelo Oba (rei) Aho do povo Fon, o qual iniciou um processo de independência política contra os Ulkumy (nome que a confederação de reinos sudaneses dava à si própria e constante do mapa do europeu Snelgrave - 1734) e em 1670 fundou o reino do Dahomey, atacando as regiões circunvizinhas do reino federado sudanês do Ketu.
Um dos sucessores do Oba Aho, o Oba (rei) Agadja (1708-1732), à falta de mais guerreiros, criou um Corpo de Exército composto pelas "Mulheres do Leopardo" e, com elas como elemento decisivo em batalha, em 1724 atacou o reino costeiro de Allada, fazendo mais de 8.000 prisioneiros. Tal fato fez com que o Forte de Ajuda subisse imediatamente para o topo do "ranking" dos polos exportadores de escravos e despertou a cobiça de seus congêneres holandeses, franceses e ingleses, pois que já os portugueses e espanhóis começavam a perder sua hegemonia nas rotas marítimas africanas. Mesmo assim, um grande contingente de escravos sudaneses afluíu ao Brasil E em 1726, Francisco Pereira Mendes, último comandante português do Forte de Ajuda, menciona em seus relatórios enviados à Bahia (Brasil), os ataques de represália dos Ayós (reino federado sudanes da cidade de Oyo) contra os territórios de Adagja, o Oba do Daomé, que havia atacado Allada em 1724. Mas, mesmo sob ataque, este Oba Agadja, fortemente apoiado pelos franceses, partiu para a conquista da cidade de Glehue na região costeira, o que fez em 1727, conquistando assim uma saída para o mar e habilitando o Daomé ao tráfico negreiro internacional.
Aumentou, então, a "exportação" daomeana de escravos Ulkuky, provavelmente da região do Reino de Ketu e que primeiramente foram "exportados" para o Caribe, na América Central, como o demonstra o nome pelo qual estes escravos ficaram conhecidos em Cuba, o de "Lucumi", nome este muito próximo do verdadeiro: Ulkumy. Em 1728, um relatório do mesmo comandante português, Francisco Pereira Mendes, incólume e imparcial em seu comércio negreiro, nos informa do andamento desta guerra: -"Três reis do interior, poderosíssimos inimigos do Daomé, chamados Ayó Brabo, Acambú e Ahcomi, dando-se as mãos o cercaram."- Ou seja, os reis sudaneses confederados invadem o recente Reino do Daomé e estas lutas perduram até 1743, quando foi celebrado um tratado de paz, mantendo o Daomé suas posições conquistadas, mas pagando um tributo em armas de fogo, munições e escravos aos Ayós, ou seja, à agora também separada federação da cidade de Oyo (a Velha).
E, assim, como é da própria natureza humana, seja ela branca, vermelha, amarela ou negra, também a Federação da Cidade de Oyo, tomou gosto pelos lucros fáceis do tráfico negreiro, no qual já vinham operando através das cidades costeiras da agora desmembrada Confederação Ulkumy, mormente em Badagri, Adja Popo, Eko, sendo que recém fundadas ciades de Porto Novo e Onin. O entreposto de Onin tornar-se-ia internacionalmente conhecido pelo nome de "Lagos", à semelhança do primeiro entreposto de escravos de Portugal que havia sido estabelecido na cidadezinha de Lagos, perto do promontório de Sagres. E, assim, estabeleceram-se dois grandes pólos de exportação de escravos, em substituição ao Forte de São Jorge da Mina: pelo porto Daomeano de Glehue (antiga Ajuda) eram exportados os Lucumis (sudanêses de Ketu, Ilesa e Oyo); pelos portos de Badagri, Porto Novo e Lagos eram exportados os "Jejes" (Daomeanos) e os "Malês" (Peules, Fulbas e Haussás), estes últimos produto de capturas no outro extremo interiorano da confederação de reinos sudaneses.
Em 1777, Olivier Montaguèrre, novo comandante francês do antigo forte português de Ajuda, agora Forte São Luís de Gregory, reclamava de suas perdas à Companhia das Índias: -"Os "Aiaux" (Ôyó) fornecem escravos em Porto Novo, Badagri, Épé e aqui (Ajuda/Uidah), mas quase não houve escravos fornecidos pelos Dahomets."-
A situação tornou-se grave para os traficantes franceses que resolveram intervir a favor de seus fornecedores Daomeanos fornecendo-lhes munições, mais armas de fogo de excelente qualidade e instrutores militares de seu uso, os quais lançaram os Daomeanos em uma campanha de guerrilhas-relâmpago contra os Ulkumy. Oito anos depois, em 1788, um novo comandante francês, Gourg, relata: -"Os Dahomets destruíram completamente um território de Nâgós!"- E, novamente, um ano depois, em 1789: -"O Rei do Dahomet invadiu profundamente as terras Ânâgós."- E é assim que os termos "Nâgó" e "Ânâgós" aparecem pela primeira vez nas correspondências internacionais para designar aos escravos fornecidos pelos Daomeanos e que foram, sem dúvida, capturados à Confederação de Ilu Ulkumy, especialmente entre os Reinos de Ketu, Ijesa e parte de Oyo. O auge destes conflitos deu-se em 1821, quando o Rei Daomeano Guezo (1818-1858), cognominado o "Búfalo" por sua agressividade, infligiu pesada derrota à Federação Oyo, na batalha de Pawingan, chegando às portas da cidade de Oyo, mas recuando em seguida, devido a um acordo firmado com uma nova potência guerreira que vinha se formando lentamente ao norte e nordeste dos territórios da Confederação Ulkumy: os Haussás Islamizados, no Brasil conhecidos por "Malês".
E, assim, foram os Haussás que, em 1827, riscaram a ancestral cidade de Oyo dos mapas, através da "conversão" ao Islamismo do Emir de Ilorin (antiga província de Ilu Ulkumy). Com a queda de Oyo, as cidades de Ogbomoso, Koyi, Owo e Ijebu também foram aniquiladas pelos Islamitas e suas populações sobreviventes procuraram refúgio em Ile Ife, a Cidade Santa dos Ulkumy que, absorvendo-as, transformou-se em um imenso campo de refugiados. Para aliviar esta situação, fundaram-se duas novas cidades: Ibadan e Modakeke. Tornando-se insustentável a existência dos refugiados na cidade de Modakeke, estourou uma revolta que a destruiu e que estendeu a destruição à Cidade Santa de Ifé. Assim, da antiga Confederação Ulkumy, transformados os Ketu e os Oyo em "Nâgós" com o sentido pejorativo de "lixo humano" dado pelos Daomeanos; os Ife e os Ijesa transformados em "Yarba" e/ou "Yarriba", designação que os Haussás deram aos seus inimigos derrotados, a qual foi adotada posteriormente pelos Ingleses sob a forma "Yoruba" e que em língua portuguesa veio a dar o termo "Iorubá", só restou a Federação da Cidade de Benin (a Antiga), por estar situada no meio destas duas frentes de batalha.
E apenas uma vez, nesse conflito todo, somente o Oba Nossa, rei do Benin, mostrou-se preocupado com o destino de seus compatriotas na escravidão e, em 1807, enviou ao Brasil uma embaixada tendo à frente o Oba de Onin (Lagos) que era seu vassalo. A vinda desta embaixada muito preocupou ao Conde da Ponte, o então Governador da Bahia (Brasil), que se assustou com uma possível rebelião dos "... Nâgós, tão numerosos nesta cidade." Não deixava de ter razão, pois é desta época o ciclo de insurreições negras na Bahia (Brasil) (1800/1830), aonde os habitantes de raça branca não passavam de 5% da população. Mas, na verdade, nem sob o peso da escravidão os infelizes negros não se haviam dado conta de quem era o seu verdadeiro inimigo, tendo as todas as insurreições negras fracassado, pois "Nàgôs", "Malês" e "Gegês" as denunciavam entre si. Em 1861, os Ingleses, a pretexto de acabar com o tráfico negreiro, intervieram diretamente no conflito ocupando a cidade de Lagos (Onin) e destronando Kosoko, o último Oba de Lagos, isolando desta forma a própria cidade de Benin, que era interiorana.
Em 1890, o general francês, Dodds, tomou a ferro e fogo a capital Daomeana, Abomey, destronando o último rei Daomeano, o Oba Behanzin, numa lógica conclusão da França de que seus antigos aliados (o Príncipe-presidente da França, Luís Napoleão Bonaparte, havia firmado um tratado de "amizade" com o Oba Guezo) não lhe serviam para mais nada, uma vez que extinguia-se o tráfico negreiro. Em 1897, também numa lógica conclusão de política interna, o Benin compreendeu o rumo dos novos tempos e preferiu "optar" por transformar-se em um Protetorado Britânico e, assim, colocou frente à frente o Leão Britânico e as Verdes Bandeiras de Allah, numa jogada política desesperada que, em 1904, resultou na conquista das cidades Islâmicas de Kano, Sokotô e Zana pelos ingleses, evidentemente apoiados por inúmeras "tropas nativas" do Benin que, desta forma, acabou por triunfar sobre os seus segundos arqui-inimigos, os Haussás Islamitas. Assim, no mínimo, desde 1724 (queda da cidade vassala de Allada) até 1904, portanto por cerca de quase 200 anos, a Confederação Ulkumy guerreou ferozmente, primeiro em uma e depois em duas frentes de combate, perdendo seus cidadãos em campos de batalha ou então capturados e escravizados em Cuba, Haiti, Antilhas Francesas, sul dos EUA, Brasil e, isto, sem se falar nos que foram enviados às metrópoles européias e asiáticas.
Não há como estimar a perda populacional específica dos Bantos e dos Sudaneses, mas para um cálculo geral sobre a perda populacional africana, B .E. Worth, em sua obra "History of West Indies", cita que segundo estimativas do padre jesuíta Monens: -"No mínimo, pode-se estimar que foram reduzidos à escravidão 10 milhões de pretos e, sem exagerar, tem que se contar por cada um destes pretos, cinco outros abatidos em África ou que morreram no caminho ou no mar."- E foi desta forma que, quase no raiar do nosso atual século XX, extinguiram-se civilizações autóctones de homens guerreiros, comerciantes empreendedores, religiosos e artistas que, apenas por serem os seus integrantes homens de raça negra, não têm a sua história corretamente ensinada em nossas escolas, apesar de fazerem parte integrante da verdadeira "raça brasileira" e do que muito que o "braço escravo" do negro (e do indígena brasileiro) fez na construção da Pátria Brasileira e na defesa de nossa soberania contra os Franceses, os Holandeses, os Portugueses e os Latinos-Americanos, saudando eu aqui a Henrique Dias e seu Batalhão Negro, mas não podendo esquecer-me de Felipe Camarão e sua Legião Indígena. E se expusemos aqui toda esta história sucinta de guerras africanas geradas pela maldita ânsia pelo "ouro negro", é porque queremos ser bem compreendidos quando dissermos que os efeitos colaterais religiosos da Diáspora Negra, no Brasil, não se resumiu aos Negros Sudaneses e tão somente ao conceito de Obatala.
Não, também foram perseguidos aqui Tupã dos Tupy-Guarani, Zambi dos Bantos, Allah dos Malês e, também, Jeovah dos Cristãos Novos, porque já no Sec. XVI por aqui também "oficiou" o Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição.
Mas todos os Credos exprimentaram aqui, em Pindorama, uma Purgação Histórica e uma Renascença Sincrética que, hoje, a 500 anos do início de sua "colonização, explode em vitalidade, beleza e segurança em seus novos valores adaptados aos novos tempos e à nova terra, porque finalmente aqui, no cadinho da intolerância da escravidão, aprenderam a reconhecer ao seu inimigo interno: a ganância pecuniária de seus próprios dirigentes e a intolerância racial e religiosa entre seus próprios irmãos de côr! Também, todas as insurreições negras no Brasil fracassaram porque os que cultuavam os Vodun (Jejes) e os que cultuavam os Orisa (Nàgôs) denunciavam entre si as tentativas de levante de cada lado e, os que cultuavam a Allah, denunciavam a todos. Mas, os "Nàgôs" aqui chegaram em grande número nos meados do século XIX e foram alocados nas cerranias das maiores cidades costeiras brasileiras, (Recife, Salvador, Rio de Janeiro) e, dado à proximidade da costa, puderam manter animado tráfico comercial entre o Brasil e a África. Portanto, num se mesclaram entre si e muito menos sicretizaram sua religião com a dos indígenas brasileiros como os bantos o fizeram:
- Os "Malês" islamizados foram quase totalmente exterminados em 1830/1835;
- Os "Jejes" sempre foram em menor número de escravizados, pois eram a facção vencedora nas guerras africanas e os sobreviventes estavam mais concentrados no Norte do Brasil, mormente em São Luís do Maranhão, onde existiu o único espaço religioso Daomeano puro - a "Casa dos Minas" – um reduto de resistência cultural dos Daomeanos, fundada pela tia do rei do Daomé, o Oba Guezo (1818-1858), exilada que foi pelo rei antecessor, o Oba Adondonzan (1797-1818), transportada por navios franceses, com seus familiares, servidores e bens materiais, tendo desembarcado no Brasil, não como escrava, mas na qualidade de refugiada política livre. Mas, talvez cansados de tantas guerras, os Vodun da Casa dos Minas não procuraram guerrear com os Orisa Yoruba e sua pouca ação de proselitismo, em território brasileiro, restringiu-se à partes do Maranhão, do Amazonas e do Piauí.
- Mas, ao contrário, os Ulkumy-Ayó-Nâgós-Yariba, enfim, os doutamente chamados "Iorubás" no Brasil, chegaram aqui em "tal número e em relativo pouco espaço de tempo", como bem remarcou R. Bastide (1953), que puderam reestruturar e impor a sua cultura, a sua religião, a sua ritualística e a sua língua aos outros negros já aclimatados na Bahia, Recife e, mais tarde, Rio de Janeiro.
Mas até nesta Renascença religiosa, a marca dos conflitos em África ficou indelevelmente impressa no bojo de suas manifestações, com os descendentes dos Sudaneses separando-se em "Nações", como sejam as de "Kétu", "Ìjêxá", "Nâgó", "Ôyó" e "Ifé" e é sintomático a revolta e decepção dos escravizados com alguns de seus "Orisa", visível na mudança de características específicas dos que aqui foram novamente cultuados. Já não se invocavam, dos seiscentos Imolê ou Divindades, aqueles que eram símbolo da fecundidade ou da prosperidade agrícola, mas sim aqueles Orisa da Guerra, da Justiça e da Punição: avultaram-se assim, no Brasil, os "Ôrìxás" Ôgúm, Xângó e o Imolê Êxú. Também repudiaram ao culto dos Antepassados Bantos e dos Encantados caboclos, isolando deles o seu próprio culto dos Antepassados - o dos Onile e dos Baba Egun - cultuando a estes últimos em um novo tipo de "Terreiro", o "Terreiro-li-ese-egun" ou "Terreiro-aos-pés-dos-Antepassados" e, de 40 anos para cá, começam a repudiar o "manto" protetor dos Santos Católicos sobre os Orixás, por que no Brasil a atual Constituição garante a liberdade de culto, graças a Deus, Tupã, Iavé, Zambi, Obatalá, Jeovah e Allah!
Este repúdio dos Orisa Nàgôs aos Inkices Bantos, aos Encantados Tupy-Guarani e aos antepassados de outrem, geraram a separação e a criação dos "Candomblé de Congo-Angola", o "Candomblé de Caboclo", o "Omoloco" e, também, à Macumba Urbana no seio da qual os Antepassados de todos se fundiram com o Espiritismo de Allan Kardec, mas que, entretanto, jamais repudiaram aos Orixás. Mas louvo aqui a Renascença dos Cultos Africanos Sudaneses, que nos legaram o conceito dos Orixás, com a sua coragem em manter sua religião; a tenacidade em seguir uma ritualística onerosa sob condições econômicas e financeiras adversas; a habilidade em não reviver os conflitos africanos do passado, mas transportá-los para o terreno poético das lendas dos "Ôrìxás", mesmo deturpando os Ese Itan Ifa (os Versos dos Contos de Ifá), o que foi incontestavelmente superior à falta de perspicácia da atuação de seus governantes em África, os quais sustentaram uma guerra tempestuosa em que não podia haver ganhadores negros.
É por isso que nós, os cultuadores do Esoterismo de Umbanda, ao contrário do que muitos pensadores brancos pensaram e propagaram, pregamos que os cultos religiosos de orígem Indígena-Cristãos-Afros não são somente uma desestruturação de suas sociedades religiosas ou um resultado simplista da Diáspora Negra internacional. Subjacente a isto, no Brasil, elas são o exemplo da fortíssima solidariedade humana que estruturou, na desgraça da escravidão, a esperança imorredoura de identidade e liberdade de todas aquelas raças dizimadas ou escravizadas na Era do Colonialismo de qualquer nacionalidade, cujo efeito deletério ainda se faz sentir colateralmente no Apartheid, nos Guetos e nas Favelas.
E no caso particular do Orisa Orunmila-Ifa, mesmo que seu culto no Brasil tenha entrado em declínio e desaparecido publicamente dos Candomblés, sendo o Da Ifa Fun do Opon e o Dapele do Opele substituídos pelo "sacudir" dos Owo Merindilogun ou "Jogo dos 16 Búzios", mais próprio das "Filhas de Ôxúm", algumas delas maravilhosas "Mães de Santo" que, dizimados os homens, tomaram à si a sobrevivência do Culto dos "Ôrixás" no Brasil à qualquer custo, muitas vezes, ao custo de si próprias, ainda assim não podemos aceitar que, após 500 anos de lutas, sangue, suor e lágrimas dos nossos antepassados brasileiros pelo direito de professar livremente o que restou de suas ancestrais crenças particulares, sejam elas de origens "puras", sincréticas ou sintéticas, devamos nós (Babalaôs ou Tatas de Inkicê, Babaogês ou "Pais-de-Santo", Iyalorixás ou "Mães-de-Santo") prestar obediência a um "Sacerdote Supremo Sudanês" para podermos A DA IFA FUN ou "CRIAR IFÁ PARA" este povo de agora, aqui e neste momento atual! Porque se eu encampar, a nível religioso do Brasil atual, a vontade de "poderosos" de qualquer origem, não estarei reconhecendo meu verdadeiro inimigo e acabarei por trair a memória de todos aqueles de qualquer raça que um dia combateram os preconceitos raciais e religiosos.
E é por isso que, mesmo sendo hoje da raça branca e Elu Ninu Ife ou Estrangeiro na Cidade Santa de Ifé, que atualmente todos somos, respeitosamente atrevo-me à invocar Igi, o Ser Espiritual Deslocado em que nos tornamos em nossa cegueira espiritual:
"Igi, si oju ki o ri odi re"
-"Igí, abra seus olhos e reconheça o seu inimigo!"
Mana, Axé e Benção
Baba Oberefun Si Okojumide
"Ou Mato ou Morro": Capoeira como Weltanschauung
Entrevista com Eduardo de Andrade Veiga - Entrevista realizada em São Paulo, em 20-10-99, por Luiz Jean Lauand. Eduardo Veiga, batizado por Bimba com o nome de guerra Duquinha, é capoeirista da velha guarda e foi discípulo de Mestre Bimba. É ainda professor aposentado da Univ. Federal da Bahia. Atuou também - aplicando a "filosofia da educação da capoeira" - como professor no Centro de Treinamento de Professores Anísio Teixeira (do Governo da Bahia).
Edição: Teimosia.
Artigo original
- Prontidão em observar o adversário e o ambiente. Como não se trata de iniciativa de agressão, mas de esquivar-se de um possível dano, é pela atenta observação que se vê a real dimensão do perigo e as rotas de fuga. Por exemplo, o capoeirista deve observar se o potencial agressor (e para o escravo - desde o "boçal", recém-desembarcado dos navios negreiros, ou o "ladino" ou "crioulo", já aclimatados - qualquer branco é um potencial agressor...) está de paletó aberto ou fechado (se aberto, há a possibilidade de ele sacar rapidamente uma arma...).
- Fazer sempre o papel do agredido ou do inocente. Como sua situação é de total desamparo social e jurídico, ser tido por agressor equivale à morte. Daí a malícia do capoeira: ele bate, mas como quem está apanhando; se recebe um golpe deve gritar e chorar como se a dor fosse muito superior à real, provocando compaixão ou desprezo... Pode desfazer-se em súplicas de misericórdia enquanto prepara um golpe fatal...
- Enquanto não mata, a pancada é suportável. Em todo caso, sempre há uma expectativa e, na primeira oportunidade real, o capoeirista aplica o seu golpe (daí a necessidade da rapidez e do reflexo, inclusive a partir de situação de imobilidade). Em outra formulação jocosa: na primeira oportunidade não é que ele dá o troco, ele "fica com tudo"...
- "em câmara lenta", suave e graciosamente;
- desferir golpes com alta velocidade a partir de uma situação de repouso;
- modificar a trajetória de um golpe ou estancá-lo em vista da percepção de algo "novo" após ter desfechado o golpe de defesa ou ataque;
- durante o jogo da capoeira, o que se observa é uma "seqüência" de golpes desferidos em velocidades desde o lento quase imperceptível até aqueles em que a vista, talvez não acompanhe. O meio ambiente dos golpes é a ginga: e o ritmo e a velocidade seguem o compasso da orquestra, muitas vezes composta de um só berimbau dolente.
- a ginga é tão importante que ela aparece sozinha no item 5 do Regulamento de Bimba e o "gingado" é conteúdo programático da primeira lição. O gingado é como uma rampa de lançamento para se disparar uma violenta cabeçada ou se defender dando um "au" com rolê saindo-se do raio de ação do oponente, que procura, mas não sabe mais onde, encontrar o adversário. Gingando, o capoeira determina as distâncias mais convenientes, inclusive para "amarrar o jogo" do adversário. Por mais que se descreva o gingado, sempre existe o inesperado no adversário: ele esconde manhas ou pode até não significar nada. Tanto simula e dissimula como esconde ou gera golpes ou defesas. É no gingado que os floreios e as negaças se harmonizam. Quando bem feitos, o adversário procura e nada encontra ou encontra sem esperar o que não procura... É malícia pura.
- emprega-se a expressão "jogar capoeira" à semelhança de "manejar com destreza, jogar com armas". Então o capoeira é aquele que é destro no manejo de armas, a semelhança do jogo de florete ou espada. Somente que as suas armas por excelência são os dedos, as mãos abertas ou fechadas de frente ou lateral ou em "cutila", os pés, as articulações ligeiramente dobradas e a cabeça também são usadas. Sem dúvida, aprende-se também a usar armas simples e convencionais ou improvisadas;
- joga-se também no sentido de brincar. É aprender brincando - é demonstrar que se sabe de forma alegre. Por isso o capoeirista não machuca quando joga em situação de aprendizagem ou demonstração. Conserva um sorriso as vezes até matreiro de quem com facilidade saiu-se de uma situação difícil ardilada. Pode também representar um pouco de zombaria face ao outro que nem se apercebeu claramente do que aconteceu, ou melhor, do que poderia ter acontecido....
Entrevista com Nestor Capoeira
Tradução: Teimosia
13 de junho de 2002