Páginas

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Depoimento do Mestre Caiçara - Parte 5 de 6

O depoimento do Mestre Caiçara foi tomado pelo Mestre Matiole, durante o Encontro Nacional de Capoeira de Ouro Preto, promovido em 1987 pelo Mestre Macaco e o Grupo Ginga (de Belo Horizonte).

O símbolo [???] indica um trecho do áudio que não consegui transcrever. Entendimentos e sugestões são bem-vindos.




Mestre Caiçara: Bahia... Dos meus cantos, das minhas horas, dos meus trabalhos... Tem que tá contigo. As minhas oração. [???] a minha paz, o meu silêncio. Eu trabalho muito com ebó, faço muito ebó, viu ? Trabalho com Deus, com santo, com o diabo e com Maria Padilha. Hahahaha.
Mestre Matiole: Ô mestre... Falando de religião, esta parte do candomblé... É que a população não entende muito o que é isso... Muitas vezes o cara pensa que está mexendo é com o diabo, mexendo com essas coisas. E justamente também por causa disso que o senhor falou, que o senhor parou porquê tem muita gente ruim mexendo nisso.
MC: É.
MM: Muita falsidade...
MC: Muita falsidade. Mas existe a oportunidade do candomblé autêntico. E existe a oportunidade do candomblé para turista. E existe a oportunidade do candomblé de cachaça, o candomblé de ilusão do povo. Mas o candomblé original, autêntico e histórico do afro-brasileiro, existe. Eu mesmo, dou os dados do senhor. Já um qualquer, [???] numa hora particular... Então eu exprico como é a origem do candomblé, o fundamento do candomblé, os cantos do candomblé, o toque de Exu a Olorum. Em suas encruzilhadas. Olorum é Deus. Os orixás. Os babá e os eguns. Os orixás é Ogum, é Tempo, é Ossaim. Você não pode falar demais dos orixás... Daqui a pouco você vai até abrir uma casa de candomblé. Hahaha.
MM: Quem sou eu, mestre... Ô mestre, o senhor falou para a gente do maculelê...
MC: O maculelê, foi criado pelo... Um moço, ele hoje é falecido. De Santo Amaro, de nome Popó. É a dancinha dos pauzinho. Aquilo não tem fundamento não... É coisa que... Foi criado outro dia. Agora, o candomblé e a capoeira autêntica, não. Porquê é uma coisa...
MM: Mais séria...
MC: É.
MM: Ô mestre, o senhor aceita um refrigerante, ou água ?
MC: Uma aguinha, um pouquinho de água... Não... Um refrigerante.
MM: Um refrigerante.
MC: Você viu a porrada que eu dei ?
MM: Senhor ?
MC: Você viu a porrada que eu dei ?
MM: Aonde ?
MC: Você não viu eu falando não ?
MM: Vi...
MC: Gostou das minhas opiniões ? Por causa que hoje em dia tem mais mestres do que aluno... Fazendo daquilo um comércio ! Que não pode fazer... [???] Fazer alguma coisa com permissão. Mostrar autenticidade. Então você cria. É como você plantar feijão em cima da terra... da pedra. Esse limpar a terra, para poder plantar feijão. Quem é que vai colher com permissão, é você ou ele ?
MM: É ele, né ?
MC: É ele, porquê limpou a terra ! Quem plantou, quer dizer, você não. Você vai bater com a cabeça. É como se dá com os capoeiristas que estão aí [???] gravando a todos. Suspendeu a perna, deu uma meia-lua, é mestre de capoeira. Porra... Não pode ser... Não sabe os fundamentos... Não conhece os toques, não conhece os cantos, a origem da capoeira. Não é porque você suspendeu a perna, você ??? Não, vamos ver lá o que é que é. Então pronto, eu não discordo que você saiba suspender a perna. [???] Aprender a brigar na rua. Tá procurando brigar [???] Não tá procurando criar uma coisa que você pode, amanhã ou depois, se apresentar. Uma coisa original. Uma coisa autêntica, uma coisa que você, quando nasceu, e depois você ouviu falar. E tinha raiz. Então vamos procurar voltar, descobrir a raiz... Daquilo que é nosso.
MM: [???]
MC: Aprendi a [???] Só dentro de casa. Saia para fora de casa para se livrar [???]
MM: [???]
MC: [???] Não dá não, que foi comprado na rua... Dois anos, onze meses e três dias. Uma dormia com a cabeça aqui, outra cá. E eu no meio. Hahahaha.
MM: E dava conta das duas, mestre ?
MC: Hein ?
MM: E dava conta das duas, mestre ? Toda noite ?
MC: Toda noite ! Dava uma cipoada com uma, ia tomar um banho. Daí a pouco, dava uma cipoada com a outra e ia tomar banho. Aí vinha dormir. Hahahaha. De manhã cedo, era um fecha-casa. Hahahaha. A mulher disse que precisava aprender quem era mais inteligente, para derrubar o mastro. Hahahaha.
MM: Mas elas não se pegavam não ?
MC: Não... Era tudo na boa. Procure saber, e se for mentira minha, me chame de cínico ! Procure saber lá na Bahia... Mestre Caiçara morou com duas mulheres. Morava no São Cristóvão, na ladeira do São Cristóvão. Eu era magarefe no Retiro, tinha açougue [???] Era chiquezinha, toda bonitinha. Porra... E as muié brigava, e [???] mestre de capoeira, batia nesses moleque, entrava nas roda, acabava com as roda [???] Hahahaha. Já briguei muito. Procê... Hein ? Beleza...
MM: Já brigou muito, mestre ?
MC: Já briguei muito...
MM: Na roda também ?
MC: Na roda, não... Fora da roda.
MM: Hein ?
MC: Casa de jogo, cabaré... [???] Sou todo baleado. Capoeira eu brigava, acabava com as roda.
MM: Acabava com as rodas ?
MC: Até na casa do... na academia do Mestre Bimba, eu invadi e meti o pau nele por lá. Daí a pouco ele quebrou a minha boca. Eu era abusado como uma porra, chapéu de veludo, a sola no bolso, calça diagonal, sapato [???] branco. E é vem Caiçara, corre ! Até no matadouro onde eu matava boi. Meus colega tinha medo, iam para dentro do mato jogar baralho. Todo mundo melado de sangue, açougueiro.
MM: O senhor mexeu com açougue muitos anos, mestre ?
MC: Hum ?
MM: O senhor mexeu com açougue muitos anos ?
MC: Açougue ? Eu era magarefe, matava boi, tinha açougue, aquela coisa toda. [???] como uma pinóia.
MM: [???], mestre ?
MC: Eu era...
MM: Dava marretada ?
MC: Era... Matava com... Tinha uma machadinha desse tamanho. Batia aqui, ele caia. Tinha dia que eu tava zangado, matava o boi, sangrava e bebia o sangue. Alucinado. É... Eu era malvado como uma porra. [???] não foi... Tem alguns deles por aí, não é só na Bahia.
MM: Mestre, alunos do senhor... O senhor teve algum assim, bom ?
MC: Ah, tem um bocado... Tanto aqui como no exterior... É. Esses mestres de São Paulo, tudo respeita meus aluno... que tenho em São Paulo. Até hoje eu tenho um lá, chamado Silvestre.
MM: Silvestre é aluno do senhor ?
MC: É. Que eles tudo respeita. Tinha Nego Dimola, tinha o Gajé, essa turma toda, o Paulo Limão, cê lembra ? Ah, veio mais o Moraes, aqui no Rio... o finado... Zeca. Zeca Dez Conto. Ah, sim... Tinha Sina, tinha Waldemar, tinha aquele menino chamado.. Acaçá, neguinho Acaçá.

Nenhum comentário:

Postar um comentário