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sexta-feira, 13 de julho de 2012

"O verdadeiro capoeirista não bate no camarada"

MESTRE JOÃO GRANDE

Publicada originalmente na jornal "A Tarde", em 3 de julho de 1988

A Tarde: Por que o nome João Grande?
Mestre João Grande: Na academia do mestre Pastinha tinha dois Joãos: um pequeno eum grande. Um menor e um maior. O outro é pequeno mesmo.

AT: Onde o senhor nasceu?
MJG: Nasci no interior da Bahia, em Itagi, próximo de Jequié. Tenho 55 anos.

AT: Como o senhor velo parar na academia do mestre Pastinha?
MJG: No ano de 1953, quando eu já estava em Salvador e tinha 20 anos, passei numa roda de capoeira na Curva Grande, onde fica o Nina Rodrigues. Ali tinha capoeira todos os domingos. Eu que morava no Tororó, comecei a ir lá todos os domingos. Gostei da brincadeira. Então, perguntei a João Pequeno, que eu conhecia, onde ele aprendia capoeira. Ele me falou do Mestre Pastinha, que tinha uma academia no Candeal Pequeno, em Brotas. Paguei 20 mil réis e entrei para a academia. De lá só saí com a morte do Mestre Pastinha, há cinco anos.

AT: E como foi sua convivência com o Mestre Pastinha?
MJG: Assim que entrei na academia, comecei a treinar diretamente com o Mestre Pastinha. Mas a academia ficou parada durante um ano, porque o dono da sala, onde ela funcionava, pediu o local por briga política. O Mestre Pastinha ficou sem academia nenhuma. Então, a gente jogava capoeira no Corta Braço, no Retiro, nas academias de Waldemar, Cobrinha Verde, Mola. Até que os Filhos de Gandhi arranjaram uma salinha para Mestre Pastinha, no Pelourinho.

AT: Capoeirista era muito perseguido naquela época?
MJG: Ninguém gostava de capoeirista. Era como o candomblé, que todo mundo queria acabar. Capoeira era para gente da pesada, estivador, carregador de caminhão. Era coisa de malandro. Mas como o tempo foi mudando, capoeira agora é ensinada nos colégios, entre policiais civis e militares, nas Forças Armadas. Isso é coisa recente, de 1970 para cá.

AT: E como a capoeira foi ganhando espaço?
MJG: Foi através do Mestre Pastinha, que divulgou a capoeira junto aos jornalistas, escreveu sobre a capoeira... Foi tirando a impressão de que a capoeira era coisa de malandro. Mostrou que era um esporte, bom para a saúde.

AT: E qual era a filosofia da capoeira ensinada pelo Pastinha?
MJG: Ele dizia sempre que capoeira tem muita malícia, mas não é violenta. Capoeira tem jogo bonito, seguro, mas não violento. Para aplicar o golpe, não precisa derrubar o camarada, bater para matar. Bastava mostrar o golpe. Na capoeira angola não existem golpes premeditados. Tudo depende do capoeirista; ali na hora podem surgir golpes nunca vistos. Um angoleiro nunca pode dizer que aprendeu tudo sobre capoeira.

AT: E por que a capoeira hoje está tão violenta?
MJG: Há muitos mestres e pouca capoeira. Antigamente não era violenta. Mas agora, os mestres não estão tão dedicados. E só pensam em dinheiro.

AT: O que é a capoeira regional?
MJG: A capoeira regional, criada pelo Mestre Bimba, está mais próxima da luta livre. É uma capoeira para turista ver. É violenta e tem aquela coisa de mudança de faixa, que nem judô e caratê. Olha, nunca vi isso de dar faixa entre os angoleiros.

AT: O que é ser um bom capoeirista?
MJG: O bom capoeirista tem de tocar bem um berimbau, pandeiro, cantar...

AT: Qual a proposta do Grupo de Capoeira Angola-Pelourinho, do qual o senhor faz parte?
MJG: Manter a linha da capoeira da Angola, seguir os ensinamentos do Mestre Pastinha e não capoeira por dinheiro. No grupo só entra quem quer mesmo aprender capoeira. Aprender a capoeira mais por devoção e não como forma de luta e agressão. Capoeira é de um ensinamento muito profundo, é uma filosofia de vida.

AT: Como é que o senhor viu a morte de China, recentemente?
MJG: Eu estou na capoeira desde 1953 e nunca vi ninguém morrer na roda. A morte foi uma perversidade. Olha, eu fui inimigo de Caiçara durante um ano e jogamos capoeira, mas nem eu peguei ele, nem ele me pegou.

AT: Se o senhor não ganha dinheiro com a capoeira, como é que sobreviveu todo esse tempo?
MJG: Eu trabalho há 22 anos em posto de gasolina, lavando carro, etc., na Barros Reis, no bairro do Retiro. Capoeira só jogava à noite e domingo à tarde. Agora que estou me aposentando, vou passar a ensinar capoeira direto...

AT: E como foi sua participação no grupo folclórico "Viva Bahia"?
MJG: Entrei para o grupo em 1970. Trabalhava jogando capoeira, maculelê, puxada de rede. Viajei a Europa toda, durante dois anos. Depois disso fui para a Moenda, na Boca do Rio, onde passei quatro anos, dando show também, mas eles exploravam demais... voltava para casa às cinco da manhã.

AT: Hoje em dia, a maioria dos mestres são professores de Educação Física. Como é que o senhor analisa isso?
MJG: Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Os mestres antigos nunca foram professores de Educação Física. Aprendi capoeira com ajudante de caminhão, carregador de caminhão, estivador, o pessoal da pesada. E por que agora mestre tem de ir para a universidade? Eles querem tirar a gente da jogada, porque eles estão interessados em ganhar dinheiro, não na capoeira. Então acham que eu, o João Pequeno, o Waldemar, morremos para a capoeira. Eu nunca fui à escola. Minha vida foi praticamente só na capoeira.

AT: Quando foi que mulher passou a freqüentar as academias de capoeira?
MJG: Foi de 1970 para cá, quando a capoeira passou a ser ensinada nos colégios. Nos anos 50, na Bahia, só uma mulher jogava capoeira, era Chicão. Aprendeu na rua mesmo. Era uma mulher que brigava com a Polícia e andava de saia. Vendia acarajé, essas coisas. Amarrava a saia entre as pernas e entrava na roda. Homem não brincava com ela, porque senão ela batia e o camarada caía mesmo. Mas capoeira hoje é para homem, menino, mulher, só não aprende quem não quer!

AT: Em qualquer idade se aprende capoeira?
MJG: A capoeira nasce com a gente, basta descobrir isso.
(Rafael Xikarangoma Tendulá)

Já paguei minha promessa
Já cumpri com minha missão
Agora peço licença
Prá vadiar no salão
E no pé-do-berimbau
Vim fazer minha devoção
Canto prá Nossa Senhora
Mãe de Deus, da Conceição
Por isso que digo assim
Que digo dessa maneira
Que os pecados de domingo
Pago na segunda-feira