Grandes imagens, grande áudio! Mas o vídeo em si já começa com uma bela pisada no tomate, na minha opinião: a de que a capoeira foi criada pelos índios no Brasil.
Não há dúvida alguma, para mim, das raízes africanas da capoeira - mas o assunto "origem da capoeira", como um todo, já me cansou um bocadinho (no meu caso, já estou há 10-15 anos na mesma tecla :-)...
Não consigo entender qual é o rationale, qual o motivo real de se acreditar que a capoeira tenha origem em UMA luta, vinda de UM povo. Ela não é uma criatura de carne e osso, que tenha um pai e uma mãe. A capoeira nasceu de um caldeirão de culturas - esmagadoramente, culturas negras, e minoritariamente, culturas brancas e indígenas - mas não acredito que seja possível apontar A ORIGEM VERDADEIRA.
A capoeira não é um construto pronto, mesmo em dias atuais... Ela está em construção constante. O ritual não é igual ao que era 50, 100, 150 anos atrás - e engana-se quem achar que era. O modo de pensar não era igual, o modo de se movimentar não era igual. E perceba que eu mencionei um período de tempo "curto"... Imagine-se então o que eram algumas das lutas que originaram a capoeira, em tempos pré-escravidão - 500, 1000, 1500 anos atrás.
Pensando num argumento mínimo: pela quantidade de etnias negras trazidas e misturadas à força aqui no Brasil, seria humanamente impossível manter qualquer tradição imutável. Toda tradição oral é viva, e muda quando mudam os que a mantém viva. Não há tradição oral estática - todas refletem sinais de seus tempos.
O seu mestre não faz tudo igual ao que o mestre dele fazia, é fisicamente impossível. A termodinâmica garante que a transmissão de energia entre dois pontos sempre acarreta perda: a energia elétrica, ao ir para a lâmpada, não gera apenas luz - também gera calor. A sua energia, ao pedalar uma bicicleta, não gera apenas o movimento - também aquece as correntes, faz barulho, range. Não existem sistemas de energia "fechados", que uma vez abastecidos, nunca mais precisem de combustível.
É claro que trazer conceitos físicos para dentro do campo da mente humana é sempre perigoso, mas me arrisco a defender a posição nesse caso. Nenhum ser humano é uma ilha, todos estamos expostos a opiniões diariamente, e algumas dessas opiniões mudam a nossa cabeça. Não é que fulano despreza o que o mestre dele ensinou: ele é uma pessoa com gostos e direitos, e no gosto e direito dele, vai ajeitar um pouquinho aquilo que aprendeu - para que goste ainda mais.
Por esse motivo é que os uniformes mudam de uma geração para outra; as baterias mudam de formato; os grupos ficam mais ou menos agressivos; as letras se alteram; os golpes mudam de nome; alguns golpes deixam de ser praticados (Você sabe o que é um bochecho ? E um baú ? E uma pantana ? E se sabe, tem certeza que faz igualzinho ao que se fazia em 1920 ?).
Entendo que a beleza da capoeira está justamente nessa falta de definições - é diferente de artes marciais orientais cuja forma e filosofia estão descritas em pergaminhos com centenas ou milhares de anos de idade. A capoeira é mais nebulosa, mais difusa, dá mais lugar ao praticante pensar e definir ele mesmo a arte. Temos sim luminares, capoeiristas cujo pensamento e ações formaram e formam gerações - Pastinha, Noronha, Cobrinha Verde, Waldemar, Bimba, Canjiquinha, e tantos outros. Mas no meu modo de ver, eles não deixaram regras rígidas: cada um deixou o "seu jeito certo", e se em algum momento discriminou o jeito do outro, não deveria ser julgado por isso - cada um era produto de seu tempo, e suas palavras faziam sentido naquele contexto.
Nós que chegamos agora, os mais novos, temos o privilégio de poder beber a água de muitas fontes, e desenhar nosso caminho baseando-nos naquilo que nos agradar, do que cada um dos "monstros" deixou.
Embora não esteja ligada diretamente à capoeira, eu gosto muito de uma frase de Lee Jun Fan, também conhecido como Bruce Lee. Tendo fundado um estilo, o jeet kune do, Bruce Lee parece paradoxal ao afirmar que sua arte não tem forma. O jeet kune do, por definição, não tem um jeito certo de se fazer.
"Se as pessoas disserem que o jeet kune do é diferente disso ou daquilo, então deixe o nome jeet kune do ser apagado, pois é isso que ele é, apenas um nome. Não se preocupe com ele."
Pode soar zen demais, mas é algo que eu percebo, mesmo implicitamente, na capoeira. A expressão física da capoeira importa muito menos, para mim, do que o estado mental. O desejo do capoeirista, ao jogar, me encanta mais que o jogo em si... Perceba que não quero dizer que cabe tudo ou que vale tudo na capoeira, e sim que cabe tudo e vale tudo o que for feito com respeito ao próximo, à sua integridade física e moral.
A capoeira com amor, faz amigos. A capoeira, sem amor, nem capoeira é...
Pensando num argumento mínimo: pela quantidade de etnias negras trazidas e misturadas à força aqui no Brasil, seria humanamente impossível manter qualquer tradição imutável. Toda tradição oral é viva, e muda quando mudam os que a mantém viva. Não há tradição oral estática - todas refletem sinais de seus tempos.
O seu mestre não faz tudo igual ao que o mestre dele fazia, é fisicamente impossível. A termodinâmica garante que a transmissão de energia entre dois pontos sempre acarreta perda: a energia elétrica, ao ir para a lâmpada, não gera apenas luz - também gera calor. A sua energia, ao pedalar uma bicicleta, não gera apenas o movimento - também aquece as correntes, faz barulho, range. Não existem sistemas de energia "fechados", que uma vez abastecidos, nunca mais precisem de combustível.
É claro que trazer conceitos físicos para dentro do campo da mente humana é sempre perigoso, mas me arrisco a defender a posição nesse caso. Nenhum ser humano é uma ilha, todos estamos expostos a opiniões diariamente, e algumas dessas opiniões mudam a nossa cabeça. Não é que fulano despreza o que o mestre dele ensinou: ele é uma pessoa com gostos e direitos, e no gosto e direito dele, vai ajeitar um pouquinho aquilo que aprendeu - para que goste ainda mais.
Por esse motivo é que os uniformes mudam de uma geração para outra; as baterias mudam de formato; os grupos ficam mais ou menos agressivos; as letras se alteram; os golpes mudam de nome; alguns golpes deixam de ser praticados (Você sabe o que é um bochecho ? E um baú ? E uma pantana ? E se sabe, tem certeza que faz igualzinho ao que se fazia em 1920 ?).
Entendo que a beleza da capoeira está justamente nessa falta de definições - é diferente de artes marciais orientais cuja forma e filosofia estão descritas em pergaminhos com centenas ou milhares de anos de idade. A capoeira é mais nebulosa, mais difusa, dá mais lugar ao praticante pensar e definir ele mesmo a arte. Temos sim luminares, capoeiristas cujo pensamento e ações formaram e formam gerações - Pastinha, Noronha, Cobrinha Verde, Waldemar, Bimba, Canjiquinha, e tantos outros. Mas no meu modo de ver, eles não deixaram regras rígidas: cada um deixou o "seu jeito certo", e se em algum momento discriminou o jeito do outro, não deveria ser julgado por isso - cada um era produto de seu tempo, e suas palavras faziam sentido naquele contexto.
Nós que chegamos agora, os mais novos, temos o privilégio de poder beber a água de muitas fontes, e desenhar nosso caminho baseando-nos naquilo que nos agradar, do que cada um dos "monstros" deixou.
Embora não esteja ligada diretamente à capoeira, eu gosto muito de uma frase de Lee Jun Fan, também conhecido como Bruce Lee. Tendo fundado um estilo, o jeet kune do, Bruce Lee parece paradoxal ao afirmar que sua arte não tem forma. O jeet kune do, por definição, não tem um jeito certo de se fazer.
"Se as pessoas disserem que o jeet kune do é diferente disso ou daquilo, então deixe o nome jeet kune do ser apagado, pois é isso que ele é, apenas um nome. Não se preocupe com ele."
Pode soar zen demais, mas é algo que eu percebo, mesmo implicitamente, na capoeira. A expressão física da capoeira importa muito menos, para mim, do que o estado mental. O desejo do capoeirista, ao jogar, me encanta mais que o jogo em si... Perceba que não quero dizer que cabe tudo ou que vale tudo na capoeira, e sim que cabe tudo e vale tudo o que for feito com respeito ao próximo, à sua integridade física e moral.
A capoeira com amor, faz amigos. A capoeira, sem amor, nem capoeira é...