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sábado, 30 de novembro de 2013

Cotas...

Tenho acompanhado algumas discussões sobre racismo no Facebook... O que percebo é que sempre que surge uma história de racismo, especialmente sofrido por negros e negras, todo mundo parece se comover.

Chovem mensagens de apoio, transbordam rios de "Curti".

A sensação é que é como quando se assiste filmes tipo "Mississipi em chamas" ou "Histórias cruzadas" - não conheço ninguém que não tenha ficado com um nó na goela após o fim de um dos dois.

Só que aí, depois do fim da sessão, vem o bate-papo. E aí eu toco no assunto "cotas raciais". Pronto, acabou a conversa. Não pode, não pode, é injusto ! E os pobres ? A cota devia ser para eles ! Todo mundo tem a mesma capacidade, não se pode privilegiar os negros.

Bem, todas essas pessoas se esquecem que a cota tem por fim reparar o um erro cometido no passado. É uma REPARAÇÃO. 

Quantos descendentes de imigrantes europeus e quantos netos de fazendeiros não estariam em situação bem pior hoje, se seus antepassados não tivessem tido as cotas ? 

Sim, cara-pálida ! Muitos (não todos) imigrantes europeus receberam terras, sementes e ferramentas quando vieram para o Brasil. Saíram de lá sem nada, e chegaram aqui pequenos fazendeiros. As terrinhas estavam aqui, esperando por eles. Justo ? Justo ! Tínhamos terra sobrando, e eles tinham barriga vazia.

Nos tempos da ditadura militar, filhos de fazendeiros tinham cotas em universidades públicas (agronomia, zootecnia, etc). As vaguinhas estavam lá, esperando por eles. Justo ? Justo ! Vivendo na zona rural ou no interior, os filhos de fazendeiros nunca teriam condições de competir com os alunos da cidade.

Hoje em dia, alunos brasileiros saem para estudar na Europa, usando COTAS que reservam para nós lá. As vaguinhas estão lá, esperando os nossos meninos e meninas. Justo ? Justo ! Os europeus chuparam nosso sangue e ouro durante 400 anos (não vou nem tocar no assunto da chupação atual), nada de errado em devolverem alguma coisa sob forma de conhecimento.

Agora, um exercício de lógica: quantos negros e pardos não estariam melhor hoje, se seus ancestrais tivessem sido tratados com dignidade ? Para começo de conversa, vieram para cá escravos. Depois de libertos, não receberam nada além da roupa do corpo e de "leis contra vagabundagem" que prendiam quem não tivesse emprego. 

Pergunto: quantos negros e pardos não estarão melhor no futuro, se a mudança começar AGORA ?

Todo mundo fala em combate ao racismo, mas a medida MAIS eficaz, que são as ações afirmativas (nesse contexto, leia-se "cotas"), ninguém quer... As ações afirmativas são, de longe, a maior arma de combate ao racismo e à segregação.

Quem lê inglês, leia aqui (mais completo). Quem lê português, leia aqui

Não é questão de opinião, são fatos:

  • Nos Estados Unidos, país cujo racismo é muito mais explícito que o nosso, os negros são 13% da população. No congresso americano, 9.5% dos senadores são negros. 
  • No Brasil, mais de 50% da população é negra. No entanto 1.2% dos senadores é negro (sim, apenas 1 senador entre os 81 do Brasil, é negro).
Poxa, mas a capacidade intelectual não é igual entre negros e brancos ? Por que uns conseguem e outros não ? E por que mais negros conseguem nos EUA do que aqui ? Os negros de lá são mais inteligentes que os do Brasil ? Mais esforçados ?

A situação nos EUA não era muito diferente até os anos 60, quando começou a luta pelos direitos civis. Foi graças às cotas que os americanos se tornaram MUITO mais iguais entre si aos olhos da lei, do que os brasileiros. Ainda estão LONGE de serem iguais, mas são MUITO MAIS IGUAIS que no Brasil.

Comandante das forças armadas (Collin Powell) negro, secretária de estado (Condoleeza Rice) negra, presidente negro (Obama), e mais uma montanha de outros nomes (só aqui tem mais 10).

Aqui no Brasil, quando querem "destacar" um negro importante, falam do Joaquim Barbosa. Tem seu mérito ? É claro ! Mas vamos nos ater aos números... O Dr. Joaquim é a exceção, e não a regra. Quero ver me apontarem mais 10 negros importantes na vida política brasileira em tempos recentes.

Então, meus amigos, lembrem-se: "Mississipi em chamas" e "Histórias cruzadas" são lindos, e são tristes, mas são FILMES. Não há nada que você possa fazer que mude o enredo ou o final.

Já na vida real, a educação deficitária é real, o pouquíssimo acesso ao ensino superior é real, a pobreza é real, a discriminação é real, a bala na cabeça do jovem negro é real.

Eu já sei que você se sensibiliza. Mas o que vai fazer a respeito ?

Como bem disse o presidente americano Lyndon Johnson (branco!), em 1965 (atenção à data!):

"Você não pode pegar uma pessoa que por anos esteve acorrentada, libertar, colocar na linha de largada de uma corrida, dizer 'Você é livre para competir com os outros', e continuar acreditando que isso foi completamente justo".

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Como criar filhos racistas


Telfair Museum, Savannah, Georgia. Photo: UGArdener via Flickr
Museu Telfair, Savannah, Georgia. Foto: UGArdener via Flickr

Como criar filhos racistas?

Passo um: não falar sobre raça. Nunca faça seu filho notar que outras pessoas tem cor da pele diferente. Seja "cego à cor".

Passo Dois: Na verdade, é isso. Não há passo dois.

Parabéns! Suas crianças estão no caminho para acreditar que sua etnia é melhor do que todas as outras.

Surpreso? Assim, ficaram autores Po Bronson e Ashley Merryman quando começaram a pesquisar a questão das crianças e raça para o seu livro "NurtureShock". Acontece que muitas das nossas pressuposições sobre a criação de nossos filhos e a apreciação da diversidade, estão totalmente erradas:

É tentador acreditar que porque a sua geração é tão diversa, as crianças de hoje cresçam sabendo como conviver com pessoas de todas as raças. Mas vários estudos sugerem que isto é mais fantasia do que fato.

Como é o Mês da História Negra, eu pensei que seria um bom momento para falar sobre raça, especialmente algumas das coisas surpreendentes que encontrei neste capítulo particular de "NurtureShock". O que Bronson e Merryman descobriram, através de vários estudos, foi que a maioria dos pais brancos nunca conversam com seus filhos sobre raça.

A atitude (pelo menos aqueles que pensam que o racismo é errado) que geralmente é porque queremos que os nossos filhos sejam indiferentes à cor, não apontamos a cor da pele. Dizemos coisas como "todos são iguais", mas achamos difícil ser mais específico do que isso. Se nossa criança aponta alguém que parece diferente, nós os mandamos calar e lhes dizemos que é rude falar sobre isso. Pensamos que simplesmente colocar nossos filhos em um ambiente diverso irá ensinar-lhes que a diversidade é natural e boa.

E o que eles estão aprendendo? Aqui estão alguns fatos deprimentes:

- Apenas 8% dos americanos brancos, cursando o segundo grau, tem um melhor amigo de outra raça. (Para os negros, é de cerca de 15%.)
- Quanto mais diversificada uma escola é, menor a probabilidade de que as crianças vão formar amizades inter-raciais.
- 75% dos pais brancos nunca ou quase nunca falam sobre a raça com seus filhos.
- As atitudes de uma criança em relação à raça são muito mais difíceis de alterar, após a terceira série, mas um monte de pais esperam até lá (ou mais) antes de achar que é "seguro" falar com franqueza sobre
a raça.

Atualmente estamos muito confortáveis para falar com nossos filhos sobre os estereótipos de gênero: nós dizemos a nossos filhos que as mulheres podem ser médicas e advogadas. Ei, a Barbie pode ser engenheira de computação! O que Bronson e Merryman apontam é que devemos dizer a mesma coisa sobre a raça: médicos podem ser de qualquer cor de pele. Um (meio-)negro pode ser presidente. Negros nerds podem ser muito legais.

Então, em homenagem ao Mês da História Negra, fale com seus filhos sobre a raça. Precisa de ajuda? O site Parenting recentemente postou 5 dicas para falar sobre racismo com crianças. Eu diria, porém, que "o mais importante" deve ser dizer algo, porque simplesmente "ser um modelo" não tem, aparentemente, o efeito que nós pensamos que ele tem.

Por Jonathan Liu